Quem tem medo dos livros?

Arte: Blog do Rabix

Fui adolescente à época da ditadura, na década de 1970. Não sossegava enquanto não ouvia as músicas e textos que haviam sido censurados ou lia os livros que eram retirados de circulação. (Só não contaram pra Damares que adolescentes adoram contrariar). Lembro-me de um exemplar de “Zero”, do Ignácio de Loyola Brandão, que passou de mão em mão, lido avidamente numa ansiedade de coisa escondida. Capa de disco (vinil, claro) censurada também era troféu, figurinha carimbada, em época de troca de informações sem internet.

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Pensei nisso quando li que o governo de Rondônia censurou Machado de Assis, Euclides da Cunha, Mário de Andrade e Ferreira Gullar, entre outros, pedindo que fossem retirados das bibliotecas. Que perseguissem Nelson Rodrigues ou Plínio Marcos parece mais óbvio, mas Machado, nosso maior autor, e justo “Memórias póstumas…” Será que esse incidente vai gerar a mesma curiosidade adolescente que eu tive  para a leitura desses títulos?

Rondônia é governada pelo coronel PM Marcos Rocha, hoje no PSL, que faz campanha usando camiseta com o rosto do presidente Jair Bolsonaro. Foi o primeiro governador do país a anunciar a intenção de se filiar ao partido Aliança. (Tudo Rondônia). O ato de censura viola o artigo 220 da Constituição.

Os censores voltaram atrás, mas o mal já estava feito e a internet tratou de espalhar. Vamos dar nome aos bois, digo, aos censores: Secretário de Educação Suamy Lacerda de Abreu e sua Diretora Iramy de Oliveira Lima Morais, do governo de Rondônia. Acredito que essas pessoas não leram esses livros que censuraram. Nem esses nem outros. Talvez tenham condenado os livros pelos nomes, como os sugestivos Mil e uma noites, ou A vida como ela é, por exemplo.

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Rock Rio Pardo 2020 aprovado na Lei Rouanet.

A conclusão a que chego é que a literatura mete medo. Um ditado antigo diz que “quem lê vale mais”. No caso da literatura, a frase é muito oportuna. Conhecer personagens e outros estilos de vida, possíveis para quem lê, provoca um melhor entendimento de mundo e de si próprio. E tem gente muito feia que tem medo do espelho.

Se a notícia não tivesse causado repulsa e protestos, o governo de Rondônia retiraria 43 títulos das bibliotecas públicas, corroborando a ideia de perigo muitas vezes associada à literatura. Quem lê, especialmente literatura, tem melhor formação humanista, vocabulário mais extenso e comunica-se com mais clareza. É isso que querem evitar?

Vale a pena ler o texto do jornalista e poeta Eduardo Sterzi, publicado numa rede social:

“Esse tipo de censura só é possível porque subordinamos, tanto à direita quanto à esquerda, a literatura (e as demais artes) a um conceito miserável de pedagogia. Algo que deveria ser básico e indiscutível: a biblioteca de uma escola – que, aliás, deveria ser considerada sua parte mais importante, a um só tempo seu cérebro e seu coração – deveria comportar todos os tipos de livros, e talvez sobretudo aqueles que não tivessem um uso óbvio nas chamadas disciplinas, sem esquecer aqueles “inadequados” ou “impróprios”. É nas bibliotecas das escolas, com livre acesso às estantes, que os alunos poderão descobrir o fundamental sobre os livros: sua lição de alegria e liberdade, a possibilidade e, especialmente, a necessidade de fugir ao dever. Uma vida menos medíocre passa por bibliotecas livres”.

Neusa Fleury é professora, escritora e gestora cultural.

| Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Jornal Biz. |

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