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Crônica de Luiz Carlos Seixas
Dia desses o nome de um ex-vereador baixou no adiantado da conversa. “Mas ele não morreu?”, eu perguntei com sincera incerteza. A roda então se dividiu como uma laranja, entre os que lhe davam uma sobrevida, os agourentos, e os indecisos como eu. Mas ninguém da mesa topou apostar, uma cerveja que fosse, a favor ou contra o ex-vereador. Dias depois, me ocorreu a mesma dúvida existencial em relação ao escritor Ernesto Sábato. “Vê no Google”, sugeriram. O ex-vereador ainda não figura nessa engenhoca onisciente e onipotente ligada à tomada, mas Sábato e todo o resto estão lá, no Google. E se o universo que ele tanto especulou antes de trocar a física pelo ofício literário não desalinhar até o próximo 24 de junho, Sábato poderá assoprar as tantas velinhas do seu primeiro centenário. “Creio que a verdade é perfeita para a matemática, a química, a filosofia, mas não para a vida. Para a vida contam mais a ilusão, a imaginação, o desejo, a esperança”. Essa e outras máximas de Sábato surgiram na tela, ao lado de meia dúzia de fotos de seu outono porteño.
A verdade, decididamente, é uma dessas tantas coisas que não combinam com a gente. Veja quanto custa espalhar uma notícia verdadeira: uma fortuna subdividida em milhões de papeizinhos e segundos eletrônicos que eles, os donos da verdade, apostam que uma hora chegará até você. Daí a você acreditar (numa liquidação, ou em um deus, por exemplo), serão outros milhões de papeizinhos e minutos eletrônicos, muito barulho na rua, muita faixa pendurada, e outros truques que essa gente do marketing vive aperfeiçoando e cobrando cada vez mais caro.
A gente combina mesmo é com a inverdade, a injúria e aquela sua prima rica, a calúnia. Nascemos um para o outro. Vamos pensar num fato que tem se repetido a cada dois anos entre nós: o embate eleitoral. Chega a me dar pena o esforço dos candidatos para transmitir a um eleitor cada dia mais distante tudo aquilo que ele (candidato) fez de bom na vida. Falam pelo rádio, tv, jornais, revistas, palanques, comícios, debates, impressos, carros de som… E ainda que o veículo de comunicação coloque lá num cantinho o seu CNPJ, a tiragem, a fonte, etc, parece que quanto mais falam, menos se fazem acreditar. Na direção oposta é disparado um boato, não se sabe de onde, não se sabe por quem. O efeito é imediato, como um pum! Em dois dias o pum chega até a Sarutaiá! Não precisa provar, não precisa assumir e nem assinar embaixo: o estrago está feito.
Há algum tempo, um site brasileiro de humor criou um desses fatos pela internet. Uma história ilustrada com a foto de uma mulher branca, sorridente, com uma criança negra no colo. “Mulher diz que engravidou vendo filme pornô 3D”. Uma nota de duas colunas informava que o soldado americano Erick Jhonson, branco, servia numa base no Iraque há um ano e, dispensado do serviço militar, ao chegar em casa, encontrou sua mulher amamentando um bebê negro. Jennifer Stweart disse ao marido que a criança fora concebida enquanto ela assistia a um filme pornô em 3 dimensões. “Não vejo porque desconfiar dela. Os filmes em 3D são muito reais”, teria dito Erick, que registrou a criança como seu filho. Jennifer diz que a criança é a cara do ator negro do filme pornô que viu com umas amigas num cinema de Nova York. “Um mês depois de ver o filme eu comecei a sentir enjôos e o resultado está aí. Vou processar o cinema e os produtores”.
A notícia acima correu o mundo através de 200 sites de vários jornais, em mais de 15 idiomas. Uma equipe da Rede Globo localizou a agência onde foi gerado o fato e a entrevista com o seu responsável é ainda mais absurda do que a fecundação eletrônica. “A gente até enviou emails para vários jornais pedindo para tirar a notícia, explicando que é falsa, mas eles não tiram! Eles querem insistir. Daqui a pouco, eu é que vou achar que é verdade”, disse o jornalista Nelito Fernandes – o “pai da criança”.
Mesmo como piada, num café de Buenos Aires, esse caso é daqueles que não se devia contar a Ernesto Sábato, a caminho dos 100 anos – ele já sabia!
- Luiz Carlos Seixas, 6 de fevereiro de 2011.
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