Sobre animais, plantas e outros viventes

Imagem: Camara.leg.br

Quando a Íria me disse que precisava muito plantar milho por aqueles dias, achei estranho. Já plantei muita coisa, mas milho acho que não, e não entendi a urgência. Essa minha amiga cresceu em um sítio em Santa Catarina, e foi criança em um tempo em que existia um mês certo do ano para se plantar e colher. Quem está acostumado com os pacotinhos com milho verde vendidos no sacolão o ano todo não sabe o que é isso. Explico: Há muito tempo, existia um período do ano recomendado para se plantar determinada espécie, numa época em que as  estações do ano eram previsíveis. Era preciso respeitar a natureza, o período de secas e chuvas, pois as sementes eram mais vulneráveis, não existiam transgênicos nem tantos agrotóxicos. Nesse tempo existia uma publicação que também era lida por quem vivia na zona rural, o Almanaque Fontoura. Era distribuído nas farmácias, e muitas vezes constituía-se no único material de leitura da família. Ali era possível saber qual o mês de plantar feijão ou a melhor hora para se colher um outro cereal. Lembro também das dicas para os pescadores e conselhos a respeito da influência da lua nas pescarias. Nunca morei num sítio, não pesquei nem plantei milho, mas sabia um pouco dessas coisas todas lendo o tal Almanaque.

Quando conheci a Íria, ela já morava na cidade havia muitos anos. Mas como o que a gente aprende na infância fica gravado igual tatuagem, quando chegava o mês em que a família no sítio plantava milho, ela sentia saudades que só amenizavam quando via as mudinhas crescendo em qualquer palmo de terra disponível no quintal ou até em vasos. Era uma necessidade física, essa de cavucar a terra, deitar as sementes e acompanhar o crescimento.

Minha mãe precisa de mar. Precisa, se você me entende. Ela cresceu no litoral, e quando acontece de ficar muito tempo sem sentir aquela brisa vai ficando inquieta.

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Essas experiências viscerais com a terra e a natureza existem pra gente não esquecer o quanto fazemos parte disso tudo. Apesar do conhecimento e práticas vivenciadas pela raça humana, continuamos animais. Da raça humana, mas animais, e apesar da supremacia na ocupação do planeta, agimos de forma mais predatória e violenta que outras espécies. Outro dia li que um grupo de índios brasileiros cuja tribo estava localizada em um lugar sujeito a alagamentos tinha uma fórmula infalível para prever enchentes. Eles observavam determinada espécie de formigas, que construíam suas casas nas encostas próximas. Quando elas abandonavam o formigueiro e buscavam um lugar mais alto para se abrigar, era sinal de possibilidades de enchentes.

Enquanto isso, nós ourinhenses que observamos telas de computador e celular o dia todo,  fomos pegos de surpresa com a tempestade de setembro! Talvez devêssemos aprender com as formigas, já que de nada adiantou a tecnologia e as facilidades das redes de comunicação. A fatídica noite mostrou que, sem energia elétrica, celular ou internet, sorte de quem tinha em casa uma lanterna com pilhas.

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Tem gente que conversa com bichos, e parece que existe entendimento. Outros falam com plantas. As minhas são bem tratadas, mas não chego a tanto.

Um amigo presenciou quando uma motosserra tinha acabado de derrubar uma árvore, situação comum na cidade em que moramos. Chegou perto, e percebeu que a árvore continuava a verter a seiva abundantemente, mandando alimento para os troncos. Não adiantava mais, mas o toco que restou ainda não tinha percebido a morte. Por essas e outras, acredito que precisamos nos entender como parte de um planeta que proporciona vida para várias espécies. Somos só mais uma delas. E por falar nesta integração de seres viventes, não sinto vontade de plantar milho como minha amiga Íria, mas tenho muito gosto em ver a água passando, sempre outras águas. E nem precisa ser água de mar, pode ser do Panema mesmo.

Neusa Fleury é professora, escritora e gestora cultural.

| Este texto, de dezembro de 2014, é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Jornal Biz. |

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