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Quantas FAPIs ainda serão necessárias?

 

Quando vejo alguém se embostear de importância, eu logo penso no Aleijadinho. O Santuário de Bom Jesus de Matosinho, em Congonhas, basta para sessões de expiação de candidatos a gênio, benemérito ou simples santo de casa. O Aleijadinho ali trabalhou por nove anos, a partir de 1796. Fazia apenas quatro que os portugueses tinham enforcado Tiradentes e as aspirações de um Brasil livre. O escultor sabia que tinha que trabalhar rápido, pois as deformidades de sua doença eram cada vez mais evidentes e limitadoras. Esculpiu então, a céu aberto, 12 profetas em pedra-sabão e guardou em seis capelinhas mais de 60 imagens (em tamanho natural) que entalhou em cedro para retratar os passos da paixão (da Santa Ceia à crucificação de Jesus) e, dissimuladamente, dizem os críticos, a prostração da nação naquele momento histórico.

Quando vejo alguém se embostear de importância, eu penso no Aleijadinho. Mais precisamente no Santuário de Bom Jesus do Matosinho.

Em Congonhas, como em Ourinhos, realiza-se uma festa anual de tamanho grande. Lá, já perderam a conta; aqui, estamos na 43ª edição. Tanto lá como aqui os organizadores do evento calculam em 1 milhão o número de visitantes. Ninguém pode negar: o brasileiro é muito generoso, pelo menos quando tem que traduzir em números uma multidão. Você já reparou quantas pessoas vão aos comícios, às passeatas, aos atos públicos de protesto… É sempre um número inversamente proporcional àquele que comparece aos eventos pagos.

Em Congonhas, no precoce calor da segunda semana de setembro, os romeiros devoram tudo como um buraco negro: melancia, churrasquinho, cachorro-quente, calabresa, caldo de cana, cerveja em lata, cachaças da roça e das mais baratas… Tiram fotos, pagam promessa, flertando ou caçando encrenca sob as barbas de pedra dos 12 profetas do Aleijadinho. A cidade se alegra com a chegada desses peregrinos que pagam promessas e deixam registrados novos milagres na sala de ex-votos, reforçando a tradição religiosa da cidade. Congonhas, cidade eterna!

Em Ourinhos a massa circula entre barracas e barracões no inverno possível de nosso tempo. De vez em quando bate um friozinho para a alegria dos vendedores de quentão. Churrasquinho, cachorro-quente, calabresa, caldo de cana, cerveja em lata, pinga, maçã do amor… Tiram fotos, falam ao celular, renovam promessas de amor na escadaria do parque de diversões, na mira dos fiscais e da polícia – quem não deve, não teme.

Ourinhos tem razões de sobra para saber que nada é para sempre: a demolição da igreja matriz na praça Mello Peixoto, o desaparecimento do Campo do Operário, a transformação do Grêmio Recreativo em mercadão da fé, a troca do cinema da cidade por uma praça de alimentação, a debandada dos aviões de carreira e dos trens de passageiros, a descentralização da zona do baixo meretrício, a pulverização da Vila dos Ingleses, da Sanbra, da Ceval… Sem entrar no longo capítulo dos ourinhenses, de nascimento ou de coração, que já se foram nesse primeiro século da cidade.

Dito isso, podemos perguntar: você acha que ainda teremos FAPI por quanto tempo? Em que aspecto a FAPI é um reflexo da cidade e de sua gente? Na grade de shows? No cardápio das barracas? Somos nós aquelas faixas afixadas na avenida Jacinto Sá “saudando” as autoridades? Somos um município 90% pecuário, como deve parecer aos desavisados que visitam o recinto? Onde as mulas? Quando o guzerá? E o que é mesmo que significa aquela procissão montada desfilando pra si mesmo, entre um carro do corpo de bombeiros e um bando de motoqueiros, espalhando cocô de cavalo e latinhas (vazias) de cerveja pelas ruas da cidade? Para encurtar conversa: o que é mesmo que sobra para a cidade, a cada ano, de cada FAPI?

A velha Congonhas do Campo e Ourinhos teriam em comum o mineral agourento que os garimpeiros teimam em procurar como sarna e acabamos encontrando fácil no sorriso dos ciganos, no pescoço e no pulso de contraventores e homens de bem e péssimo gosto. Em Congonhas o ouro brotava em pepitas do tamanho de uma batata inglesa. Por aqui somos abençoados com o carvãozinho em flocos que, se chovesse do tamanho de uma batata, já teria feito de Ourinhos uma cidade, no mínimo, turística.

Congonhas teve Zé Arigó. Ourinhos tem Xina Roses. Por que certas coisas duram e outras acabam? O Jubileu de Bom Jesus de Matosinho de Congonhas é celebrado desde 1780. Por quanto tempo você acha que ainda teremos FAPI?

PASCOALINO S. AZORDS

Publicada em 07/06/2009 no Jornal Debate

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