Praça Mello Peixoto – as transformações de um espaço público cheio de histórias

”A praça! A praça é do povo

como o céu é do condor”. Castro Alves

As crianças que nos dias quentes brincam na água da fonte na praça Mello Peixoto nem imaginam que há algumas décadas o lugar era só um terreno de terra batida, cercado por arame farpado. A cidade não passava de um conjunto de casas rústicas mal alinhadas e ruas empoeiradas, e o lugar era passagem obrigatória para quem ia à Igreja Matriz, que ficava na rua 9 de Julho.

Um dos raros registros do início das obras da praça. Ao fundo, a construção da Catedral.




 

Políticos posam para fotografia na década de 1920.

Na maioria das cidades do interior a praça foi o principal espaço público de lazer e convivência. Em Ourinhos, a praça Mello Peixoto foi cenário de importantes manifestações políticas e culturais. Ainda permanece na memória dos mais velhos, o passeio nas noites de domingo para assistir as apresentações da banda municipal que aconteciam no coreto, e o cheiro de pipoca que impregnava o ambiente.

Praça no ano de 1930.

Praça Mello Peixoto, década de 1950.

Com o passar dos anos, a praça sofreu inúmeras transformações e praticamente nada restou do antigo “jardim”, como era conhecida a praça Mello Peixoto. As primeiras árvores foram plantadas na década de 1920 e o primeiro coreto foi inaugurado em 1927. Com a revolução de 1930, seu nome foi mudada para João Pessoa, político da Paraíba cuja morte desencadeou o movimento. Dois anos depois, durante a Revolução de 1932, ela recebeu o nome de Praça da Bandeira, para finalmente voltar ao nome original.




João Baptista de Mello Peixoto, o político que dá nome à praça, nasceu em Pernambuco em 1856 e era filho de uma tradicional família daquele estado. Depois de concluir o curso de direito veio para o estado de São Paulo atuar como juiz na cidade de Cunha. Foi deputado estadual, secretário de Estado e eleito senador em 1900. Além de dar nome à praça, Mello Peixoto também é nome de rodovia em Ourinhos. Em seu livro “Ourinhos: memórias de uma cidade paulista”, Jefferson Del Rios explica a homenagem:

“É provável que essa tenha sido uma decisão pessoal do coronel Jacintho Ferreira e Sá, amigo e aliado político de Mello Peixoto”.

A praça no final dos anos 1950.
A primeira fonte da praça Mello Peixoto.

Com a cidade mais estruturada, aconteceram transformações urbanas, e a praça também passou a receber benfeitorias. No entorno surgiram construções novas, a maioria dedicada ao comércio. Estabelecimentos tradicionais como o Café Paulista, o Bar Central, a Livraria Thomé ou a Casa Nortista atraíam fregueses e fomentavam o movimento na região central. A praça ganhou bancos e postes de ferro, e nos anos 1940 as ruas internas e externas foram pavimentadas, com a instalação de um tanque de areia para as crianças. Passear na praça Mello Peixoto foi atividade de lazer de inúmeras gerações de crianças e jovens ourinhenses.

No dia 17 de setembro de 1949, o Jornal A Voz do Povo noticia a reforma do Bar Paratodos.

Muitos prefeitos deixaram sua marca na praça principal da cidade, promovendo reformas. A gestão do professor Cândido Barbosa Filho (1948-1951) ficou marcada pela pavimentação da praça com pedras portuguesas, padrão que permaneceu durante décadas. Em 1949, por iniciativa do Rotary Club, foi instalado em frente à antiga Igreja Matriz do Senhor bom Jesus um monumento em granito identificando onde seria o “marco zero” da cidade.

Com as sucessivas reformas implantadas na praça, esse monumento foi sendo desmontado, restando apenas parte dele, que ainda pode ser vista no mesmo local.  Na década de 1950 houve a instalação da primeira fonte luminosa e de um viveiro para aves, além da reforma do coreto.

Como era o “marco zero” da cidade…
…e o que restou do monumento

Esse foi um período que deixou muitas lembranças para os jovens que  a frequentavam, geralmente depois da sessão de cinema: “Uma das minhas maiores saudades é o footing da Praça Mello Peixoto. Ele acontecia aos sábados e domingos à noite nas calçadas externas e internas da praça. Rapazes e moças tinham aí sua melhor oportunidade de flerte e início de namoro”, escreveu Euclides Rossignoli na crônica O footing, publicada no livro Ourinhos: histórias e memórias. Euclides lembra também do serviço de alto falante, “pelo qual os jovens ofereciam músicas e mandavam pequenas mensagens aos seus flertes”.

Amigos na Praça Mello Peixoto.

Apesar do crescimento da cidade e dos bairros em sua maioria serem dotados de praças ou áreas verdes, a praça Mello Peixoto continua sendo o local das comemorações e eventos em Ourinhos. O motivo pode ser um comício, a comemoração de um título do campeonato de futebol ou a vitória em eleições. Durante muitos anos o carnaval de rua teve a praça como ponto de encontro, assim como outras festas populares.

Em 2002, um dos destaques do Carnaval na Praça Mello Peixoto, foi a decoração concebida por Sérgio Nunes.




Comício de Orestes Quércia em 1986.

Mesmo que as reformas muitas vezes tenham ignorado os desejos da população no uso daquele espaço (um exemplo é a ausência de equipamentos destinados às crianças), a praça continua sendo um lugar democrático, onde podem ser encontrados vendedores de CDs, “homens da cobra”, vendedores de garrafadas medicinais ou bilhetes de loteria, artesãos, pipoqueiros, ciganos ou moradores de rua.

O coreto da praça, década de 1960.
Vista da praça em setembro de 2006.

A última reforma aconteceu em 2011, durante o governo do prefeito Toshio Misato, e com ela desapareceu o tradicional coreto, que esteve presente desde o início. As retretas com a Banda já haviam rareado a partir dos anos 1990, mas o coreto continuava sendo utilizado para apresentações artísticas, e compunha a cena da praça tradicional, assim como acontece em outras cidades da região. Na falta do coreto, foi instalado um palco permanente que recebeu o nome do coreógrafo Lallo de Freitas, onde acontecem as apresentações artísticas.




A descaracterização de marcos históricos na região central da cidade, como é o caso da praça, parece fazer parte do pensamento político dos últimos administradores. Na ânsia de mostrar como podem ser arrojados, capazes e sintonizados com a modernidade, acabam desqualificando situações que remetem ao passado e que poderiam orgulhar os moradores, lembrando sua história e valorizando sua identidade. Na “praça do Ourinhense”, na vila Mano, outro coreto sofre com a falta de manutenção. O que já foi cenário para fotos de noivos, com os canteiros mais bem cuidados da cidade, hoje lembra mais um esqueleto.

Presépio montado na Praça Mello Peixoto no Natal de 2001.

Hoje a praça Mello Peixoto está quase toda pavimentada, com poucos canteiros, o que reduz a área verde na região central. A poluição visual reina no entorno, com a falta de regras estético-urbanísticas que deixem o espaço mais agradável ao olhar. A pressa parece ser o sentimento que impulsiona as pessoas que passam por ali. Porém, um olhar mais atento pode constatar que muitas árvores sobrevivem, como a frondosa anda-açu, que hoje hospeda mudas de orquídeas, a tímida jaracatiá, além do perfumado jasmin manga, com suas flores amarelas. Em outros tempos, milhares de andorinhas pousavam na praça em determinada época do ano, proporcionando cenário que inspirou o poeta Luciano Correia da Silva em seu Soneto das andorinhas:

“Todas as tardes, povoando os ares,

vinham pousar, com ingênua intimidade,

sobre as árvores, muitas seculares,

da praça, onde cantavam liberdade”.

Anda-açu com orquídeas floridas.




A praça é do povo.

Apesar do medo e da insegurança que afastaram as pessoas dos espaços públicos, a praça Mello Peixoto continua sendo um espaço de encontro. Se as transformações eliminaram totalmente os traços do antigo “jardim” dos passeios de domingo, brincar nas águas da fonte ainda é uma diversão para as crianças.

Para produzir este texto, a equipe do Jornal Biz pesquisou em “Ourinhos, histórias e memórias”, de Euclides Rossignoli; “Ourinhos, memórias de uma cidade paulista”, de Jefferson Del Rios, “Poemas do vale”, de Luciano Correia da Silva, blog Memórias Ourinhenses.

Imagens: Acervo da Casinha da Memória, Acervo Cyro Tucunduva, Frederico Hahn, Francisco Almeida Lopes, Museu Municipal, Bernardo Fellipe Seixas, Luiz Carlos Seixas.

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