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Redação Jornal Biz
Se o barro não se entregar totalmente, o oleiro nada pode fazer. (A. W. Tozer)
Um olhar desatento pode sugerir que a vila Odilon seja apenas mais um bairro de Ourinhos. Porém, ao observar o cenário acima dos telhados das casas o que se revela é uma paisagem única da cidade: as inúmeras torres de tijolos que durante décadas liberaram a fumaça produzida nos fornos das olarias conferem identidade ao bairro e guardam histórias que só podem ser ouvidas por ali.
Hoje o bairro está completamente integrado à cidade e a dinâmica social que caracteriza a vida urbana não se diferencia de outras regiões de Ourinhos. Mas nem sempre foi assim. Durante muitos anos, a vila Odilon permaneceu como um território apartado do núcleo urbano mais central da cidade, mantendo uma distinção que lhe atribuía características próprias. O eixo que norteava a vida e o trabalho naquela região era a atividade desenvolvida pelas olarias no processamento da argila retirada das barrancas do rio Paranapanema.
A produção de objetos a partir do processamento da argila remonta aos primórdios da civilização. Vestígios de cerâmica contribuíram para entender as práticas cotidianas de povos do passado e suas diferentes utilizações. No livro Arte da Cerâmica no Brasil, o professor Pietro Maria Bardi define: “A denominação cerâmica abrange todos os objetos manufaturados ou industrializados tendo como matéria prima principal as argilas, o barro”.
A finalidade do processo, que inclui o cozimento das peças em fornos com alta temperatura, pode ser a produção de utensílios domésticos, obras artísticas, ou materiais utilizados em construções, como telhas e tijolos.
As primeiras olarias destinadas à fabricação de tijolos e telhas surgiram em Ourinhos logo após a criação do município em 1918. Em 1921, a família Pacheco Chaves construiu ali a primeira cerâmica, que depois foi vendida para o cafeicultor Caio Prado. Em seguida, a olaria passa para a família de João da Silva Nogueira, que havia chegado de Barra Bonita em 1928. É de Barra Bonita também que vieram outros descendentes de italianos, como os Fantinatti, os Carnevalle, os Pasquetta, e instalaram pequenas olarias naquela região, dando início ao que se tornaria a vila Odilon. Todos vinham atraídos pela excelência da matéria prima encontrada em abundância às margens do Paranapanema, nas proximidades de onde hoje está instalado o Clube Diacuí. Esse material, conhecido como arenito de Botucatu, era ideal para a fabricação de tijolos e telhas, apresentando colorações diferentes que, misturadas, forneciam a liga ideal para o manuseio.
A vida desses primeiros ceramistas foi bastante difícil. O trabalho pesado e insalubre, onde o trabalhador se expunha às altas temperaturas dos fornos exigia a participação de toda a família em um rude trabalho manual. A argila era retirada das margens do rio com pás, e carregada em carroças até as olarias. Para misturar e amassar o barro era usado o trabalho de um burro, que girava em torno de um eixo instalado em um barril onde o barro era depositado.
A madeira utilizada nos fornos era retirada das matas que ainda eram abundantes àquela época, e na ausência de secadores, a produção diminuía em época de chuva e maior umidade. “Era terrível, o cara saía de lá pingando, parecia que estava na chuva”, conta Antônio Edvaldo Fantinatti, no filme “Oleiros”. Ele lembra ainda que todo o trabalho era feito sem luvas ou qualquer material de proteção ou segurança.
O processo de queima exigia conhecimento e cuidados, e depois de prontas as mulheres levavam na cabeça as telhas que eram acomodadas em uma grade e levadas até o estoque. “Nós ficávamos limpando telha, tinha que tirar as rebarbas do lado, tinha que tirar com a faca, uma por uma.”, conta dona Paulina Cecília Nogueira. As pessoas mantinham hábitos da vida rural, plantando e criando galinhas e porcos para consumo da família. Os empregados das cerâmicas geralmente moravam em uma casa cedida pelo proprietário, no terreno onde a olaria estava instalada, o que gerava uma situação de estar permanentemente à disposição para o trabalho.
Se na própria região central da cidade a dinâmica urbana estava restrita ao núcleo em torno da estação ferroviária, com plantações de café a poucas quadras da Praça Mello Peixoto, um bairro distante como aquele ainda permaneceria um bom tempo com seu aspecto rural. No início dos anos 1930 começou a se desenhar o que viria a ser o bairro das cerâmicas, quando Odilon Chaves do Carmo começou a lotear a área de uma chácara de sua propriedade.
Depois de sua morte, aquela região passou a ser conhecida pelo seu nome, mas também como “a vila das chaminés”. O bairro, inicialmente formado por casas de madeira e ruas esburacadas, recebeu energia elétrica em 1943, o que trouxe transformações para as cerâmicas, que iniciaram gradativamente a instalação de maquinários para auxiliar na fabricação de telhas e tijolos.
Se na vila Margarida fixaram-se os ferroviários, os moradores da vila Odilon eram os trabalhadores das olarias. Com as dificuldades de locomoção daquela época e a distância do centro da cidade, a vila ganhou autonomia com pequeno comércio e atividades de lazer. Como acontecia na Praça Mello Peixoto, os moradores do bairro também frequentavam a praça logo depois da missa, e eram concorridas as quermesses e festas de igreja. Os times de futebol animavam as tardes de domingo, e assim os oleiros recuperavam energia para o duro trabalho da semana.
As olarias significavam setor importante da atividade industrial em Ourinhos. Um relatório de 1958, endereçado ao Departamento de Ordem Política e Social, o DEOPS de São Paulo, o delegado Roberto Cardozo de Mello Tucunduva transcreveu um inventário das indústrias instaladas na cidade naquele ano. Conforme o documento, Ourinhos possuía 67 indústrias que empregavam ao todo 1.025 operários. Desse total, 35 se dedicavam a produção ceramista, com um total de 254 operários. A maior parte das indústrias que processavam a argila, cerca de 45,7%, possuíam até 5 operários. A Cerâmica A. J. Souza, a maior de Ourinhos naquele momento, possuía 24 operários.
A partir dos anos 1970, com a mecanização do processo de fabricação, a produção ourinhense se revelou. As telhas e tijolos eram levados de trem para Londrina ou para o Mato Grosso, e muitas vezes os vagões traziam madeira paranaense que eram usadas para a construção de casas na cidade. O conhecimento dos antigos oleiros foi sendo substituído pelas máquinas, e o sucesso no empreendimento fez com que, nos anos 1990, a cidade contabilizasse 98 cerâmicas em atividade, o que motivou a criação da Associação das Cerâmicas Vermelhas de Ourinhos. A cidade ficou conhecida pela produção e qualidade do material fabricado, que chegou a ser o terceiro setor em arrecadação de tributos municipais.
Porém, alguns fatores contribuíram para o declínio da atividade da indústria ceramista, que trouxe vida e identidade à vila Odilon, além de empregar milhares de pessoas. A matéria prima, retirada das margens do Paranapanema durante décadas, começou a dar sinal de esgotamento. Além disso, o fechamento das comportas das hidrelétricas Canoas 1 e 2, e Cambará, fez com que as jazidas de argila ficassem submersas.
O custo para a produção aumentou muito com a compra de barro em local distante da cidade e com a alta no preço da madeira usada nos fornos. A crise fez com que a maioria das indústrias cerâmicas, que viviam dificuldades em manter o sistema familiar nos negócios, fechasse as portas. Hoje existem menos de 20 indústrias em atividade na cidade.
Dos tempos de fartura da produção ceramista na vila Odilon restam as chaminés e as histórias contadas pelos moradores. O lugar se modificou completamente, e a paisagem foi transformada pela expansão imobiliária e comercial. Embora ainda exista uma produção considerável de telhas e tijolos no bairro, muitas das antigas olarias não passam hoje de vestígios da antiga “Vila das Chaminés”.
Para produzir esse texto a equipe do Jornal Biz pesquisou em: “Arte da Cerâmica no Brasil” (1980), de Pietro Maria Bardi; “As inovações tecnológicas e o ocaso dos oleiros – A mecanização das olarias em Ourinhos – 1950-1990” (dissertação de mestrado), de Roberto Carlos Massei; “Oleiros”, documentário dirigido por José Luiz Martins; além dos sites: https://www.folhadelondrina.com.br/cidades/ceramistas-fazem-estoque-de-argila-110463.html, http://www.debatenews.com.br/2005/07/03/olarias-apogeu-e-queda-de-um-imperio-em-ourinhos/ e https://ourinhos.blogspot.com/.
Imagens: Acervo Carlos Lopes Bahia, Casinha da Memória, Wilson Monteiro e Bernardo Fellipe Seixas.
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