Cento e trinta anos de solidão

Imagem: Divulgação Netflix

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Crônica de Luiz Carlos Seixas

Em novembro de 1997, publiquei no jornal Debate um texto saudando os 30 anos de lançamento do romance que hoje faz sucesso na Netflix: Cem anos de solidão. Ainda não existia a biografia do escritor, Viagem à semente, de Dasso Saldívar, publicada em 2000; nem tampouco a autobiografia do próprio Gabriel Garcia Márquez, Viver para contar, de 2003.

Abaixo, alguma coisa do que escrevi sobre Cem Anos de Solidão quase trinta anos atrás.
“Garcia Márquez não é, nem de longe, o escritor preferido dos críticos literários. É uma espécie de Jorge Amado da América Latina. Porém, depois que recebeu o prêmio Nobel em 1982, a tiragem inicial de cada novo livro seu atinge a casa de 1 milhão de exemplares, cem vezes o que se tem como padrão para uma edição no Brasil.

Hoje Garcia Márquez tem belas casas na Cidade do México, nas ilhas gregas, em Paris, Cartagena, Barcelona… mas nem sempre foi assim. Em Paris, onde sobrevivia como correspondente de um jornal colombiano, ele chegou a vender garrafas vazias e, algumas, vezes, pedir esmolas no metrô. De volta ao Caribe, vendia enciclopédias, de porta em porta, e hipotecou os originais de seu primeiro romance em troca de uma cama para dormir num hotel onde dividia espaço com as putas do cais de Barranquilla. Escreveu roteiros para filmes baratos, para agências de publicidade e revistas pornográficas.

Cem Anos de Solidão estava na cabeça de Garcia Márquez desde quando ele tinha 20 anos de idade e abandonara o curso de Direito em Bogotá. A princípio, o romance iria se chamar La Casa, que era a casa de seus avós maternos, onde ele viveu até os 8 anos de idade. O escritor não achava o meio de contar a história, e isso se arrastou por mais de quinze anos. Nesse intervalo foram escritos O Enterro do Diabo, Os Funerais de Mamãe Grande, O Veneno da Madrugada, Olhos de Cão Azul, e Ninguém Escreve ao Coronel. Num final de semana, a família arrumou as malas e num velho Opel seguiu para Acapulco, em férias. Não tinham rodado uma hora quando Garcia Márquez solta uma das mãos do volante e bate na testa. Tinha acabado de encontrar o tom para Cem Anos de Solidão. “Eu tinha apenas que contar as coisas como minha avó as contava, acreditando no que dizia, por mais absurda que fosse a história”.

Escreveu durante 18 meses, das 8 às 15horas, quando parava para almoçar e fazer a sesta, e depois até ser vencido pelo sono. “Eu tinha a impressão de que alguém estava me ditando o livro”, disse o escritor a Herbert de Souza, o Betinho, em entrevista para o Pasquim, em dezembro de 1978.

Há algum tempo, era certo que Cem Anos tivesse sido traduzido para 32 idiomas. Mas para Garcia Márquez, a leitora ideal desse livro é uma senhora russa que copiou à mão toda aquela história, para saber, afinal, quem era o louco: ela ou o escritor.

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