Agricultura: das lavouras de café aos grandes canaviais

Durante muitas décadas o café foi o principal produto agrícola na região de Ourinhos e em todo o estado de São Paulo. Em 1909, apenas um ano depois da inauguração da primeira estação ferroviária, foram embarcados aqui quase 200 mil quilos de café. Em 1918, ano da criação do município, esses números se tornaram ainda mais expressivos, chegando a quase 2 milhões de quilos do produto.

“Colheita do café”, pintada por Antonio Ferrigno no ano de 1903, está exposto no Museu do Ipiranga, em São Paulo.




Eram muitas as dificuldades e apesar da fartura da produção regional, o manejo agrícola era rudimentar. Quando nem mesmo o arado era utilizado no preparo da terra, a principal ferramenta disponível aos produtores era a enxada. Além disso, era preciso enfrentar outro desafio: a ameaça das formigas.

As formigas saúvas eram motivo de preocupação para os produtores. Correio do Sertão 01-11-1902

A edição de 1º de novembro de 1902 do jornal Correio do Sertão de Santa Cruz do Rio Pardo, destacava a intervenção do major Arthur Diniz Lagarde, na Sociedade de Agricultura Brazileira, chamando a atenção de todos para os perigos causados pela abundância do inseto nas lavouras do país. Anos depois, o personagem do livro Macunaíma, de Mário de Andrade, resumiria o problema em uma única frase: “Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são”.




As antigas fazendas de café também produziam outros grãos. Segundo o Censo Agrícola de 1905, primeiro levantamento feito por iniciativa do governo do Estado de São Paulo, cerca de um quarto da produção agrícola dessas fazendas era de outros cultivos, principalmente milho, feijão e arroz. Os pés de café não eram de pequeno porte como os que conhecemos hoje, e muitas vezes os grãos eram colhidos com o auxílio de escadas. Como cresciam muito, as mudas eram plantadas de forma muito espaçada. Desta forma, enquanto o cafezal era jovem, sobrava terra para outro tipo de plantio. Era comum também a prática de contratar os colonos com cláusula que permitia aos trabalhadores cultivarem gêneros alimentícios entre os pés de café ou em áreas menos adequadas a esse plantio.

Até a década de 1940, cavalos, carroças e boiadas ainda levantavam poeira nas acanhadas ruas de terra da cidade. Em torno de Ourinhos havia pequenas propriedades onde sitiantes eram os donos das terras, e ali plantavam também arroz, feijão, milho e mandioca. Para quem não tinha a sorte de ter um pedaço de terra para plantar, restava o trabalho nas lavouras de café, morando nas colônias das fazendas.

Uma das colônias da Fazenda Mandaguahy, em Bernardino de Campos. Foto de janeiro de 2018.

Como as lavouras exigiam muita mão-de-obra, as fazendas criavam uma estrutura para atender às necessidades dos colonos. Açougues, armazéns, igrejas e campos de futebol faziam parte do cenário que, em alguns casos, incluía também a projeção de filmes. É o caso da Fazenda Palmeiras, em Ipaussu, onde uma sala de cinema foi construída numa área próxima à sede da propriedade. Hoje restam poucos vestígios da riqueza e opulência das grandes fazendas de café.

Terreiro para secagem de café da Fazenda Palmeiras, em Ipaussu. Foto de janeiro de 2018.




O trabalho de preparar a terra, plantar, carpir e colher o café era tarefa para muita gente, e não raro envolvia toda a família, inclusive as crianças. Colhido entre os meses de maio e setembro, os grãos de café eram espalhados no terreiro, uma grande área revestida de tijolos, onde eram remexidos várias vezes ao dia para garantir uma boa secagem, exalando um perfume inconfundível. Nas grandes fazendas o café era conduzido por dutos, misturados à água, e depois transportados por “vagonetes” para os equipamentos onde eram selecionados.

Túnel para vagonetes na Fazenda Palmeiras. Foto de janeiro de 2018.




Vitório Toloto estava para completar 7 anos quando começou a trabalhar. No livro “Um espaço para lembranças de Ourinhos”, ele descreve a rotina do trabalho na lavoura:

“Eu não tinha calça comprida e já trabalhava na roça. Já tinha minha enxada e acompanhava meus irmão e meu pai. Começava por volta das 4 da manhã e ia até às 7 da noite. No domingo de tarde, cada um ia amolar sua enxada, encher os corotes de água, garrafão, pra sair na madrugada, no escuro”.

Entre os anos 1930 e 1940, período em que os imigrantes japoneses chegaram a Ourinhos, houve a introdução de novas culturas. Depois de experiências sofridas trabalhando como colonos em fazendas de café em diversas regiões do Estado, eles perceberam que seria mais vantajoso possuir uma terra arrendada, e aqui começaram a plantar algodão, frutas e legumes.

Torataro Tone introduziu o cultivo da uva Niágara no Sítio Monjolinho

Foi assim no Sítio Monjolinho, quando o imigrante Torataro Tone, nascido em Nara (Japão), resolveu iniciar o cultivo da uva Niágara. Com o crescimento da produção, os japoneses perceberam que era preciso também organizar a comercialização dos produtos.

A solução viria já em 1940, quando eles fundaram a Cooperativa Agrícola de Ourinhos. A atuação dos produtores japoneses deu origem aos bairros rurais de Ourinhos, como a Sobra, a Água do Jacú, a Lagoa Seca, o Carreirão, o Mundo Novo e Águas do Cateto.

Plantação de algodão dos japoneses no bairro Carreirão

A colheita do algodão serviu também de inspiração para o cronista Euclides Rossignoli: “Eram enormes áreas onde predominavam os gordos tufos da fibra branca e brilhante que estouram os capulhos dos algodoeiros. Era um prazer imenso avançar pelas ruas do algodoal, indo de pé em pé, a pouca distância um do outro, colhendo em cada capulho o produto fibroso e macio que aos poucos ia enchendo o balaio levado para recebê-lo”.




A geada ou as dificuldades na economia do país criaram problemas para os cafeicultores em diversas épocas. Nessas ocasiões os governos lançavam programas de amparo aos cafeicultores com campanhas de incentivo e financiamentos para viabilizar o plantio e garantir o emprego de milhares de lavradores. Exemplo disso foi a Campanha Cafés Finos, que trouxe a Ourinhos nos anos 1950 o então senador Assis Chateaubriand, que se reuniu com autoridades e realizou um grande comício na Praça Mello Peixoto.

Embora a economia cafeeira esteja diretamente relacionada ao surgimento de Ourinhos, já que a cidade era estratégica no escoamento da produção, pode-se afirmar que a agricultura nunca apresentou números expressivos, talvez pela pouca extensão das áreas cultiváveis do município.

Os cafezais em imagem aérea da década de 1950. Ao fundo, chaminés de olarias na vila Odilon.

Aos poucos, o crescimento do núcleo urbano da cidade avançou sobre os cafezais, diminuindo ainda mais a área destinada à lavoura. Imagens da década de 1940 mostram que naquele período ainda era possível se deparar com cafezais próximos a área central da cidade.

2018: As plantações de cana-de-açúcar praticamente delimitam a área da cidade.




A substituição da cultura cafeeira pela lavoura da cana de açúcar foi acontecendo de maneira mais marcante depois da geada de 1975, que destruiu praticamente toda a lavoura de café do Paraná, atingindo também algumas regiões do estado de São Paulo. Os números comprovam o tamanho do prejuízo: se na colheita anterior a geada o Paraná havia colhido mais de 10 milhões de sacas de café, no ano seguinte a produção não chegaria a 4 mil sacas.




Ourinhos também sentiu os efeitos da “geada negra”. Nesse período o café era o terceiro produto agrícola mais cultivado na cidade, com 920 hectares, atrás do milho e da cana-de-açúcar. A geada teve um impacto tão grande na agricultura que motivou a visita do governador à região, como noticiou o jornal O Progresso de Ourinhos em sua edição de 24 de julho daquele ano. A geada praticamente encerrou o cultivo do café no município. 

Em 1975 foi criado o Programa Nacional do Álcool – Proalcool, com objetivo de intensificar a produção de álcool como substituto para a gasolina. O programa oferecia incentivos para agricultores interessados no plantio da cana de açúcar. Também receberiam benefícios as empresas automobilísticas que optassem pela fabricação de carros movidos a álcool.

Carro da antiga Telesp

Em Ourinhos, a agroindústria moderna que se utilizava de alta tecnologia resultou na instalação da Usina São Luiz e da Sociedade Algodoeira do Nordeste do Brasil – SANBRA nos anos 1950, e da BUNGE, já na década de 1970. A SANBRA e a BUNGE foram associadas e atuavam no beneficiamento de grãos para obtenção de óleo e faziam uso da estrutura ferroviária existente. Um ramal da ferrovia adentrava a fábrica da SANBRA na Rua Cardoso Ribeiro, e os caminhões carregados com algodão, amendoim e mamona tomavam conta das ruas do bairro.

Sanbra chegou a empregar 800 pessoas em Ourinhos.

O cheiro de óleo impregnava a cidade até a década de 1970, quando a SANBRA encerrou suas atividades. A BUNGE encerrou suas atividades em Ourinhos em 2006.

Hoje, de acordo com o levantamento do IBGE referente ao ano de 2016, além da cana-de-açúcar que ocupa a maior parte da área de cultivo, ainda é possível constatar a existência de pequenas e pouco significativas unidades de produção, dedicadas a outros tipos de cultivo, como a soja, o milho, a aveia e a mandioca.

A série 100 Anos Ourinhos tem o apoio da Fundação Educacional Miguel Mofarrej, mantenedora das Faculdades Integradas de Ourinhos e do Colégio Santo Antonio Objetivo.




Para produzir este texto a equipe do Jornal Biz pesquisou em: “A agricultura paulista em 1905”, de Francisco Vidal Luna, Herbert S. Klein e William R. Summerhill; “Introdução da agricultura capitalista e as transformações no município de Ourinhos”, de Franciele Miranda Ferreira Dias; “Ourinhos: Histórias e Memórias”, de Euclides Rossignoli; “Memórias de uma cidade paulista”, de Jefferson Del Rios; “Um espaço para lembranças de Ourinhos”, de Fernanda Saraiva Romero e Rosemary Reginato de Moraes; “Um olhar sobre a presença japonesa em Ourinhos”, de Marco Aurélio Gomes e Neusa Fleury Moraes; edições dos jornais “A Voz do Povo” (1931 e 1939), “Correio do Sertão” (1902) e “O Progresso de Ourinhos” (1967), disponíveis em www.tertulianadocs.com.br, Blog Memórias Ourinhenses, disponível em https://ourinhos.blogspot.com.br  |  Fotos antigas: Francisco de Almeida Lopes e Museu Municipal de Ourinhos. Fotos atuais: Bernardo Fellipe Seixas.

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