Venda da SAE: Você é contra ou a favor?

Enquanto a cidade discutia se a Associação Mirim deveria ou não continuar à frente dos trabalhos na Zona Azul, outro projeto polêmico apresentado pelo prefeito Lucas Pocay (PSD) deu entrada na Câmara, tratando da privatização da Superintendência de Água e Esgoto, a SAE.

A propositura deverá ser votada rapidamente, já que o prefeito pediu urgência, o que cria dificuldades para a discussão e compreensão da população sobre o assunto. Como a Câmara aprova sem questionamentos todos os projetos apresentados pelo Prefeito, é de se esperar que a privatização seja consumada ainda este ano. A Câmara divulgou a realização de audiências públicas, que são exigidas por lei para a votação de projetos como esse, e a primeira aconteceu nesta sexta-feira, 8. A próxima audiência está marcada para o dia 12, terça-feira, às 9 horas.

Jornal Biz está divulgando as audiências sobre a privatização da SAE.

Em 2012, no final do mandato, o ex-prefeito Toshio Misato apresentou projeto semelhante, mas foi retirado da pauta porque não foram realizadas audiências públicas.  À época, o então superintendente da autarquia, Haroldo Maranho, em entrevista ao Jornal Negocião afirmou ser contra a iniciativa: “Acredito que a SAE tem total capacidade para se manter sem a concessão para uma empresa privada”.

Lucas Pocay tem evitado falar em “privatização”, já que afirmou durante a campanha eleitoral que isso não aconteceria. Porém, desde o início da gestão tem realizado ações neste sentido. Em maio deste ano foi instituído o Plano Municipal de Saneamento Básico através da Lei Municipal 6.345. O texto, extremamente sucinto, não faz menção à SAE, mas sim a um “prestador de serviços”. Em agosto a Prefeitura lançou Edital de Chamamento Público para empresas interessadas na elaboração de estudos técnicos destinados à implantação, gestão, manutenção, adequação, reforma e ampliação do sistema de esgotamento sanitário do município. A última cartada foi o envio para a Câmara do Projeto de Lei com objetivo de “autorizar o Poder Executivo a conceder, por meio de licitação, os serviços públicos de abastecimento de esgotamento sanitário no município pelo prazo de 35 anos”.

Foto: JPovo

No dia 24 de março, durante visita do deputado federal Walter Ihoshi (PSD), Lucas declarou à imprensa que “não existe nenhuma possibilidade de privatização da SAE”.

Pocay justifica a medida argumentando que a SAE não dispõe de recursos para a construção de uma Estação de Tratamento de Esgotos, tema de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a SAE e o Ministério Público, e que tem gerado multas para a Prefeitura pelo não cumprimento. Esta estação deverá tratar os dejetos jogados no Rio Pardo, e se os termos do TAC não forem cumpridos, agentes públicos e o município serão responsabilizados.

Sede da SAE, na avenida Altino Arantes, centro de Ourinhos. | Foto: SAE

Apesar da afirmação do prefeito de que a SAE não possui capacidade financeira, falta transparência na divulgação desses números. A contabilidade da SAE é verdadeira “caixa preta”, e não se sabe se houve um planejamento para contingenciamento de recursos nos últimos anos, já que o valor da tarifa tem sido reajustado de forma significativa.

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Enquanto iniciativas para privatização de sistemas de saneamento avançam no Brasil, um estudo divulgado pela BBC Brasil em junho deste ano mostra que esforços para fazer exatamente o inverso – devolver a gestão do tratamento e fornecimento de água às mãos públicas – continua a ser uma tendência global crescente. Na Europa o caminho é o oposto ao que se verifica no Brasil, onde o BNDES incentiva a atuação de empresas na questão do saneamento dos municípios, propondo editais de financiamento.

Satoko Kishimoto, coordenadora de políticas públicas alternativas do Instituto Transacional, com sede na Holanda, explica que “Em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso”.

Satoko é coordenadora de políticas públicas alternativas.

De acordo com o estudo, cerca de 90% dos sistemas de água mundiais ainda são de gestão pública. As privatizações no setor começaram a ser realizadas nos anos 1990 e seguem como uma forte tendência, em muitos casos impulsionadas por cenários de austeridade e crises fiscais. “Se você for por esse caminho, precisa de uma análise técnica e financeira muito cuidadosa e de um debate profundo antes de tomar a decisão. Porque o caminho de volta é muito mais difícil e oneroso”, alerta, ressaltando que, nos muitos casos que o modelo fracassou, é a população que paga o preço.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 50,3% dos brasileiros têm acesso a coleta de esgoto. Para a outra metade do país – 100 milhões de pessoas – o jeito de lidar com dejetos é recorrer a fossas sanitárias ou jogar o esgoto diretamente em rios. Já o abastecimento de água alcança hoje 83% dos brasileiros. Em Ourinhos, a coleta de esgoto sanitário atinge 98% dos imóveis.

Os defensores da privatização desses serviços argumentam que a falência dos Estados e municípios dificultam investimentos. “Não se trata de entregar para a iniciativa privada”, apontou o economista Vitor Vilher para a matéria da BBC Brasil. “Os contratos têm que estar muito bem amarrados, senão a empresa poderia praticar os preços que quisesse e descumprir os serviços que lhe foram designados. Isso é um ponto importantíssimo. Não basta só privatizar, é preciso regular.”

Jornal Biz (14)3026-4666

“Com a concessão para grupos privados, a lógica de operação da companhia muda completamente. Os ativos não pertencem mais ao público. Ela passa a ter que gerar lucros e dividendos que sejam distribuídos para acionistas. O risco é enorme. Sistemas de água não pertencem ao governo, e sim ao povo. Se esse direito se perde, torna-se mais difícil implementar políticas públicas”, argumenta Satoko.

A discussão necessária, considera Satoko, é como tornar uma companhia de saneamento mais eficiente e lucrativa para a sociedade. Quando a dívida pública se estabelece como prioridade, não há mais espaço para esse debate.

Várias cidades da região têm os serviços de abastecimento de água e coleta de esgotos realizada pela Sabesp. Em Santa Cruz do Rio Pardo a empresa demorou 25 anos para construir a estação de tratamento de esgotos que constava do contrato inicial de concessão dos serviços.

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