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Conteúdo original de Hélen Freitas e Ana Aranha para o Mapadaagua/ReporterBrasil
Testes detectaram duas substâncias que geram risco à saúde acima do limite de segurança na água de Ourinhos
O Estado de São Paulo tem uma das maiores empresas de abastecimento do mundo, com 28,6 milhões de pessoas atendidas, e a que mais realiza testes para medir a qualidade da água no Brasil. A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) tem a missão de ser “referência mundial na prestação de serviços de saneamento”. Em suas ações de comunicação, porém, a empresa omite problemas na qualidade da água que deveriam ser divulgados aos consumidores.
Entre 2018 e 2020, contaminantes foram encontrados na água que saiu da torneira de 132 cidades paulistas abastecidas pela Sabesp. As substâncias químicas excederam o valor máximo permitido pelo Ministério da Saúde, órgão que define um parâmetro de controle, acima do qual há risco à saúde humana.
No período analisado, a empresa paulista fez 235 mil testes para medir a qualidade da sua água, dos quais 759 encontraram substâncias fora do padrão. Isso representa 0,3% de todos os testes feitos pela empresa no Estado.
Apesar do percentual geral em São Paulo ser baixo, para avaliar o risco é preciso olhar para as cidades onde houve violação, em especial para os locais onde a população bebeu água com contaminantes repetidamente. Na capital, substâncias foram identificadas acima do limite 13 vezes nos sistemas Guarapiranga, Cantareira, Alto Tietê e Rio Claro – que, juntos, abastecem cerca de 17 milhões de pessoas.
As substâncias acima do limite na cidade foram os ácidos haloacéticos, os trihalometanos e o antimônio, todas elas classificadas como “possivelmente cancerígenas” pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Os resultados foram acessados pela Repórter Brasil no Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), banco de dados gerido pelo Ministério da Saúde. As informações fazem parte do Mapa da Água, ferramenta de jornalismo de dados que permite consultar substâncias acima do limite em cada cidade do país entre 2018 e 2020. O mapa traz ainda as classificações internacionais de risco para cada produto.
A Sabesp afirma que os testes revelados pelo Mapa da Água sobre a cidade de São Paulo são “casos pontuais” e como tal não indicam um problema. “O histórico das medições aponta a conformidade com os padrões de potabilidade e a qualidade da água fornecida pela Sabesp”. Dessa forma, “nenhum tratamento adicional se torna necessário no momento” além de “não demandar medidas corretivas nem alertas para a população”.
Contaminação contínua
Os casos em que a mesma substância violou o padrão ao menos uma vez nos três anos analisados ocorram em 36 cidades paulistas, entre elas Diadema, Santos, Ubatuba, Guarujá e Lorena. Em todo o país, a contaminação contínua foi identificada na água de 82 cidades, e a Sabesp é responsável pelo problema em 45% delas.
Especialistas alertam que o consumo durante meses ou anos caracteriza a maior chance de risco para a população. “Três anos seguidos tomando água acima do padrão indica que a população está exposta à substância carcinogênica além do limite de risco ‘aceitável'”, afirma Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (UnifesP).
Kummrow explica que, como o consumo acontece em pequenas doses e de modo gradual, não há sintomas imediatos. Ou seja, não há como a origem da doença ser identificada pelos serviços de saúde.
O maior problema nas águas da Sabesp começa no tratamento, quando o cloro ou outros desinfetantes se misturam com substâncias que já estão na água, como algas e esgoto, gerando os “subprodutos da desinfecção”.
O maior número de testes acima do limite na capital se deu justamente em reservatório que recebe despejo de esgoto sem tratamento: a represa Guarapiranga, responsável pelo abastecimento de cerca de 4,8 milhões de moradores da região metropolitana. As áreas de preservação ambiental que margeiam a represa são palco de ocupações irregulares onde não há coleta ou tratamento.
Esgotos clandestinos e o descarte impróprio ficam mais visíveis no meio do ano, quando as chuvas diminuem e os níveis do reservatório ficam baixos. Quando a temperatura aumenta, ocorre ainda a proliferação de algas. Esses elementos levam à formação dos subprodutos no tratamento.
Oito testes realizados no sistema Guarapiranga, entre 2018 e 2020, apontaram a presença de dois subprodutos acima do limite. Os ácidos haloacéticos e os trihalometanos apareceram fora do padrão em 17% dos testes realizados nesse sistema. Ambos são classificados como “possivelmente cancerígenos” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da OMS. Outros possíveis efeitos a longo prazo são problemas nos rins, fígado e sistema nervoso.
Desde os anos 1970, cientistas conhecem os riscos dos subprodutos. Segundo artigo publicado na revista Environmental Pollution, há dois métodos para evitá-los: remover da água as substâncias que podem reagir com o cloro ou trocar o cloro por tratamento com radiação UV ou ozônio, entre outros métodos alternativos. Mas ambas as mudanças trazem custos adicionais.
O problema é um desafio importante para a cidade de São Paulo, onde os dados do Atlas Esgotos, elaborado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, mostram que 32% do esgoto não tratado é jogado diretamente em rios e represas – alguns desses são os mesmos de onde sai a água que será tratada para consumo.
Falta de transparência
Questionada pela reportagem se a empresa faz esse trabalho de separar o esgoto da água antes do tratamento, a Sabesp respondeu de forma genérica: “cada manancial possui características diferentes e, assim, cada estação de tratamento de água é projetada para ser capaz de tratar a água de seu respectivo manancial”.
A empresa nega a importância dos testes acima do limite ao afirmar que monitora a qualidade da água com base no histórico, usando uma “média móvel” dos resultados.
Por meio de nota, o Ministério da Saúde confirma o uso do histórico como um dos critérios para avaliação, contudo afirma que “violações ao padrão devem ser interpretadas como um evento perigoso e desencadear uma investigação”. Nesses casos, a empresa deve “comunicar imediatamente à autoridade de saúde pública municipal e informar à população abastecida, em linguagem clara e acessível, a detecção de situações de risco à saúde ocasionadas por anomalia operacional ou por não conformidade na qualidade da água, bem como as medidas adotadas”.
A Sabesp não informou quais medidas foram tomadas para corrigir os problemas nos casos em que os testes detectaram substâncias acima do limite na capital. A empresa também não respondeu aos pedidos para a reportagem acessar os dados completos do histórico e o cálculo da “média móvel”, ferramentas citadas pela empresa. “Não temos como precisar a partir de que ano adotamos a média móvel para essa avaliação interna e não temos como disponibilizar as médias móveis dos anos solicitados [2018, 2019 e 2020] pois esse critério não era formalmente estabelecido antes da publicação da nova portaria [de 2021]”, afirmou a companhia por meio de nota.
Responsável pela fiscalização da Sabesp na capital, a Secretaria Municipal da Saúde paulistana confirma que a empresa usa o histórico de dados para avaliar a qualidade da água, mas afirma que também “não teve acesso” ao cálculo ou à média móvel. A pasta minimizou os resultados fora do padrão, dizendo que “alguns foram encontrados ligeiramente acima do valor máximo permitido”. Nesses casos, segundo a nota, a Vigilância acionou a empresa e o problema foi resolvido.
O problema da água contaminada com substâncias químicas acima do limite e da falta de transparência na comunicação aos consumidores atinge todo o Brasil. Em termos proporcionais, as empresas de abastecimento que mais tiveram problema com a qualidade da água foram a Cesan no Espírito Santo (6,8%) e a Cagece no Ceará (5,1%). Procuradas, a Cesan e a Cagece não se manifestaram até a conclusão desta reportagem.
Consulte dados da qualidade da água em todo o Brasil em mapadaagua.reporterbrasil.org.br
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