Luto em São Pedro do Turvo: José Carlos Damasceno morre aos 75 anos

José Carlos Damasceno em seu gabinete, na Prefeitura de São Pedro do Turvo, na década de 1990. | Foto: Luiz Carlos Seixas

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por Bernardo Fellipe Seixas | Jornal Biz

Maior nome da história política de São Pedro do Turvo, Zé Carlos venceu quatro eleições para a Prefeitura, e em duas ocasiões fez de seu vice o sucessor

Faleceu na madrugada desta quinta-feira (16), aos 75 anos, o professor e ex-prefeito de São Pedro do Turvo, José Carlos Damasceno. Ele foi casado por mais de 30 anos com Rosilene Rotiroti, e tinha dois filhos, Danilo (in memorian) e Murilo. Zé Calor sofria de sintomas de mal de Parkinson e Alzheimer, e esteve com a saúde bastante debilitada nos últimos anos.

Zé Carlos e Rosi com os filhos, Danilo (esquerda, in memorian) e Murilo (direita)

Em uma rede social, a companheira de Zé Carlos informou sobre o velório, que acontecerá no Ginásio Municipal (construído em uma de suas gestões), e o sepultamento.

Uma das paixões de Zé Carlos era andar a cavalo. | Foto: Luiz Carlos Seixas

Damasceno foi prefeito de São Pedro do Turvo por quatro mandatos (1983-1988, 1993-1996, 2001-2004 e 2013-2016), e fez de seu vice o sucessor em duas ocasiões: 1997-2000 com Luiz Claudio Cunha (Nenê), e 2017-2020 com Marco Aurélio Oliveira Pinheiro (Marquinho), que é o atual prefeito.

Em 2016, o escritor e compadre de José Carlos Damasceno, Luiz Carlos Seixas, escreveu um texto que reflete um pouco da grandeza da pessoa e do político para São Pedro do Turvo. Leia abaixo:

Damasceno deu a volta por cima

São Pedro do Turvo é uma das 40 melhores cidades para se viver no Brasil. A constatação é da revista Exame de 27/09/2016. “Para chegar ao resultado, o estudo levou em conta cinco fatores de qualidade de vida: mobilidade urbana, condições ambientais e habitacionais, serviços coletivos urbanos e infraestrutura”. Ainda de acordo com a pesquisa publicada pela revista Exame, “mais da metade dos municípios estão em condições ruins com o atendimento adequado de água e esgoto, coleta de lixo e atendimento de energia”. Foram analisados 5.476 municípios em todo o país. Os piores classificados encontram-se no Amazonas, Pará, Rondônia, Piauí e Maranhão.

A notícia foi recebida como um prêmio de importância nacional pelo prefeito José Carlos Damasceno, que governa São Pedro do Turvo pela quarta vez. Não fosse a garra com que ele trata a coisa pública, certamente, sua cidade não seria hoje um lugar reconhecidamente bom pra se viver. Em um cenário tão positivo, a pergunta óbvia é justamente por que Damasceno não quis se candidatar à reeleição nesse ano. Ele próprio arrisca uma resposta puramente estratégica, dizendo que uma eleição com três candidatos é imprevisível na sua cidade. E que para não correr risco, preferiu apoiar a candidatura do seu atual vice-prefeito – que venceu. Mas, ao completar a resposta, Damasceno pode ter revelado um motivo maior: “Eu disputei seis eleições como candidato a prefeito e isso vinha prejudicando a minha família. Resolvi então não ser candidato para aproveitar o resto da vida”.

NO PRINCÍPIO ERA…

Em 1982, Celso Novaes Pinheiro encerrava um bom governo de 6 anos. “Antes do Celso, os prefeitos entravam e saiam, ficavam 4 anos, não mudavam nada em São Pedro, e todo mundo achava normal”, diz Damasceno. Por isso, ninguém acreditava que alguém pudesse bater um candidato indicado por ele. Bem conhecido na cidade, Damasceno tinha trabalhado bastante na eleição de Celso, mas não era o candidato do prefeito. Para conseguir uma legenda teve que apelar ao Diretório Estadual do partido, em São Paulo. “A situação financeira da campanha era precária. Nós saíamos de casa de madrugada pegando carona no caminhão do leiteiro e enquanto recolhiam os latões, eu conversava com os moradores dos sítios, com a família toda”. Damasceno credita a vitória nessa que considera a sua eleição mais difícil a um trabalho de emissão e transferência de títulos de pessoas que moravam próximo às divisas com Ourinhos, Salto Grande Ribeirão do Sul, Ocauçu e Campos Novos. “Nós fizemos mais de 150 títulos, e ganhamos a eleição por 17 votos”.




Sobre os dois governadores com quem trabalhou naquele primeiro mandato, Damasceno diz: “O Montoro era mais humano. O Quércia era mais politiqueiro”. Mas ambos, além do ex-senador Orlando Zancaner, o ajudaram nos pleitos da sua cidade: as primeiras casas populares, a primeira creche, a conclusão das obras e instalação do primeiro hospital, o curso de Magistério, a construção de 70 pontes na zona rural, o levantamento de 200 quilômetros de estradas vicinais, a duplicação da rede de esgotos da cidade e o ginásio de esportes, ainda hoje a maior obra física do município. Informado de que Montoro queria ajudá-lo, mas condicionava isso à sua mudança para o MDB, Damasceno pediu o asfaltamento da estrada que liga São Pedro a Santa Cruz do Rio Pardo. “A nossa oposição dizia que quem tinha conseguido a obra era o prefeito de Santa Cruz (Onofre Rosa de Oliveira). Eu respondi que, se era assim, o asfalto começaria de lá pra cá. Mas, como se viu depois, o asfalto foi daqui pra lá”, lembra Damasceno. Juntamente com Onofre ele conseguiu, já do governo Quércia, uma nova ponte sobre o Rio Turvo, já que a velha ponte ficaria atravessada no novo traçado da estrada devido a uma curva do rio.

Zé Carlos no gabinete do então governador Franco Montoro, no Palácio dos Bandeirantes. | Foto: Luiz Carlos Seixas

Década de 1980: Os ex-prefeitos Onofre Rosa e José Carlos Damasceno em audiência com o ex-governador paulista, Oréstes Quércia. | Foto: Luiz Carlos Seixas

Incansável, Damasceno também tirou leite das pedras durante os governos de Luis Antonio Fleury, Mário Covas e Geraldo Alckmin. As três creches de São Pedro foram todas construídas por ele. Sua mais recente conquista é a Casa do Trabalhador Rural, “para o bóia fria não ir trabalhar de barriga vazia”, diz orgulhoso. Além de pontes e melhorias das estradas, Damasceno levou outras obras à zona rural. Ao bairro da Água Suja, por exemplo, ele levou creche, posto de saúde, 40 casas populares, asfalto, quadra coberta e uma moderna estação de tratamento de esgotos.

Zé Carlos e Nenê com o ex-governador Mário Covas, na inauguração do Conjunto Habitacional Franco Montoro, em São Pedro do Turvo. | Foto: Luiz Carlos Seixas

Além de vencer quatro eleições para prefeito, José Carlos Damasceno precisou lutar duramente pela própria vida nesses anos. A queda do cavalo durante um desfile teria sido fatal se na plateia não se encontrasse um neurocirurgião que, percebendo a gravidade, o levou a Ourinhos para operar um coágulo no cérebro. Uma apendicite supurada que ele adiava operar também quase o tirou de cena 20 anos atrás. Faltando 45 dias para a eleição de 2012, foi diagnosticado com um câncer no intestino. Como não havia metástase, o médico de Jau deu-lhe os 45 dias para ganhar a eleição, com a condição de operá-lo imediatamente após a vitória. Mas nada se compara aos incômodos pós-operatórios de uma diverticulite que o obrigou a carregar a bolsa de colostomia durante um ano. “Quando ia para São Paulo, a Rose (sua esposa) ia junto. Tinha os lugares certos, os postos em que a gente parava para fazer a limpeza da bolsinha e tocar em frente. Na capital, a gente limpava nos sanitários das Secretarias de Governo, no Palácio dos Bandeirantes… Até para Brasília, de carro, eu fui com a bolsinha”, lembra Damasceno. O carro oficial da Prefeitura de São Pedro é dirigido pelo próprio prefeito e, por muitas vezes, numa mesma semana foram necessárias três viagens até São Paulo. Indagado se toma alguma coisa para não cochilar no volante, Damasceno responde: “Só os discos do Tião Carreiro e Pardinho”.




Foram muitas lutas também com a oposição local. Desde o começo, ou até antes do começo. Para a festa de aniversário da cidade no primeiro ano do seu primeiro mandato, ele trouxe o time de veteranos do Corinthians Paulista para um jogo amistoso, com portões abertos para a população. Um vereador da oposição marcou então outra partida, no campo atrás da igreja, no mesmo dia e horário. Na véspera, Damasceno mandou arrancar as traves, “para reforma do campo”, e assim, só o Corinthians pode jogar.

E se Damasceno não tivesse vencido aquela sua primeira eleição, em 1982? “Eu teria voltado para São Paulo”, ele responde. Não é difícil imaginar que a sua vida e, principalmente, a vida da sua cidade teria sido muito diferente.

A TRAVESSIA

São Pedro do Turvo não é o maior, mas é um dos grandes municípios do Estado de São Paulo. Seus 776 quilômetros quadrados de área são cortados por mais de 2 mil quilômetros de estradas rurais. Pois com tanto chão, os dois principais líderes políticos da cidade vivem separados apenas por uma rua de pouco movimento. De um lado, Celso Novaes Pinheiro, 84 anos, na sua casa de esquina. Em frente, José Carlos Damasceno, 69 anos, no gabinete da prefeitura. Eles não se falam desde 1982. Nesse meio tempo, pessoas já perderam a orelha ou a vida por causa da política em São Pedro. E os dois caciques também dão mostras de cansaço. Celso se recupera de um AVC. Damasceno acusa sintomas do Mal de Parkinson. O ambiente hoje é mais silencioso em torno deles, como se alguém prontamente pedisse para abaixar o volume. Na praça enfeitada para o Natal do ano passado, Damasceno tomou a iniciativa de cumprimentar o “professor” – é assim que ele se dirige a Celso, desde os tempos do ginásio. Mas foi apenas um cumprimento formal. Celso estava na praça para ver a neta dançar num evento organizado pelo governo do adversário.

Em São Pedro do Turvo o portão da garagem da prefeitura vive aberto. No fundo da garagem existe um pé de acerola e uma porta privativa que dá acesso direto ao gabinete. Pela entrada principal, uma secretária coloca-se entre o visitante e o prefeito. Mas Celso Pinheiro não só sabe disso, como deve saber que Damasceno raramente fecha as portas – inclusive as da sua casa. E foi por ali que Celso resolveu entrar, sem se anunciar ou bater, para surpresa de Damasceno, seu inimigo – é assim e não como adversário que eles se desentenderam todos esses anos. “De certo, ele queria fazer as pazes. Eu achei muito legal”, diz Damasceno. Celso deve ter notado que o gabinete que ele usou por 4 anos, durante o seu segundo mandato, continua o mesmo. A velha geladeira, a pequena estante, até as cadeiras também dão sinais de cansaço. De novo mesmo, apenas uma pequena foto do adversário com a esposa Rose e os dois filhos, Danilo e Murilo. Celso é um homem sensível. Não deve ter feito nenhum comentário sobre o filho que Damasceno perdeu num acidente de carro há três anos – é até possível que ninguém comente. O que os dois maiores prefeitos de São Pedro do Turvo conversaram, só eles sabem, pois logo dona Martha veio buscar o marido que havia saído de casa para atravessar a rua.

O velório de José Carlos Damasceno será realizado no Ginásio de esportes de São Pedro do Turvo, a partir das 17 hrs. O sepultamento acontecerá na manhã desta sexta-feira (16), às 10 horas.

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