A gripe espanhola e as lições do passado

Rua Nove de Julho, centro de Ourinhos, década de 1920. | Foto: Acervo Francisco de Almeida Lopes

Certamente você já ouviu falar da grande gripe espanhola de 1918. A epidemia teve início na Europa e se alastrou rapidamente por várias partes do mundo. A doença causada pelo vírus Influenza H1N1 recebeu esse nome pelo fato de ter surgido inicialmente na imprensa da Espanha. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) estava chegando ao fim, e mesmo assim os países envolvidos tentaram omitir as informações sobre a gripe para evitar o pânico e a diminuição de alistamentos.

A gripe chegou ao Brasil em outubro daquele ano. A primeira morte foi registrada no dia 9 de outubro, em Santos. Cidade portuária, Santos era a porta de entrada dos imigrantes europeus que chegavam ao Brasil em busca de trabalho. O destino da maioria era a capital paulista, que passava por um intenso processo de urbanização e industrialização. São Paulo foi a cidade mais castigada pela gripe espanhola e os dados oficiais registram 5331 mortes causadas pelo vírus.

São Paulo, 1919 – Hospital exclusivo para atendimento de doentes da gripe espanhola. | Foto: Jornal da USP

Para a pesquisadora do Departamento de Demografia da Unicamp, Maria Sivia G. Beozzo Bassanezi, a aglomeração humana gerada pela grande concentração de indústrias facilitou a propagação da doença. Outros fatores também contribuíram, como as precárias condições das moradias, a falta de saneamento básico e a desnutrição. A alta no preço da farinha de trigo, causada pela guerra, tornou ainda mais deficiente a alimentação dos trabalhadores.

A malha ferroviária que ligava a capital ao interior facilitou a expansão da epidemia da gripe. A partir de um levantamento de óbitos relacionados no Annuario Demographico: secção de estatística demographo-sanitaria, produzido pelo Serviço Sanitário do Estado de São Paulo nos anos de 1918, 1919 e 1920, Maria Silvia produziu mapas do Estado de São Paulo, com estimativa de infectados pela gripe espanhola por município: Dos 204 municípios, segundo dados apresentados pelo Serviço Sanitário, apenas 36 não registraram nenhum caso de óbito por gripe em 1918”.

Óbitos por gripe em 1918. | Fonte: Por dentro do Estado de São Paulo – Unicamp
Óbitos por gripe em 1919. | Fonte: Por dentro do Estado de São Paulo – Unicamp

Para piorar a situação, naquele ano o estado havia enfrentado uma forte geada e uma praga de gafanhotos que devastaram muitas plantações. Na tentativa de evitar a gripe, muitos fazendeiros fecharam as porteiras de suas fazendas, para evitar que os colonos transitassem na cidade. Mesmo assim, dada a necessidade de ir até as cidades para vender os produtos ou fazer compras, os administradores traziam os vírus para dentro das fazendas. Em outros casos, com medo de ver a família separada ou mesmo de serem expulsos das fazendas, muitos colonos omitiam os casos de gripe.

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Dadas as características da sociedade daquela segunda década do século 20, a gripe atingiu mais homens que mulheres. Isso se deve provavelmente ao fato de que aos homens era permitido transitar pelas ruas, enquanto às mulheres era recomendado o recolhimento doméstico. Embora os idosos tivessem características de serem as vítimas mais óbvias da gripe, foram as crianças entre 0 e 2 anos que mais morreram, cerca de 30,4% dos óbitos em São Paulo. A população em idade produtiva e reprodutiva também foi bastante atingida, entre 20% e 30% dos óbitos.

Fonte: Por dentro do Estado de São Paulo – Unicamp

A epidemia de gripe que fez milhões de vítimas no início do século XX também afetou a política brasileira. O presidente eleito, Rodrigues Alves, não conseguiu assumir o cargo e morreu em janeiro de 1919.

A emancipação política de Ourinhos aconteceu em 13 de dezembro de 1918, mas antes disso a ferrovia já cortava seu território, e os números revelam que a cidade também foi atingida pela epidemia. O mapa de óbitos apresentado por Maria Silvia indica que entre 1918 e 1919 teriam morrido em Ourinhos de 10 a 49 pessoas.  A pesquisadora revela que a “demora das autoridades públicas em reagir à chegada da gripe espanhola (inclusive minimizando a gravidade da situação), um serviço sanitário precário para administrá-la contribuíram para que a epidemia se intensificasse rapidamente nas primeiras semanas de seu aparecimento”. Esse contexto certamente impediu uma notificação mais precisa dos casos e das mortes ocorridas no período.

Com a percepção da calamidade provocada pela epidemia, algumas medidas foram tomadas e possibilitaram frear a propagação do vírus, como a mobilização do pessoal da saúde e da população, a colaboração da sociedade civil (prestando serviços de socorro, oferecendo atendimento médico-terapêutico, transporte, roupas, alimentos), além das ações para evitar o contágio, como  a suspensão de aulas nas escolas, de atividades recreativas e do trabalho nas fábricas e no comércio. Estima-se que 2/3 da população da cidade de São Paulo, cerca de 350.000 pessoas, tenham contraído a gripe espanhola nos três últimos meses do ano de 1918.

Pacientes doentes em hospital improvisado em São Paulo. | Foto: Jornal da USP

Uma situação semelhante acontece hoje no Brasil. O Coronavírus, ou Covid-19, é altamente contagioso e também possui um nível elevado de letalidade, causando mortes e comprometendo a qualidade de vida dos que sobrevivem. Apesar das recomendações da Organização Mundial de Saúde, algumas autoridades insistem em diminuir a gravidade da pandemia que já matou milhares de pessoas no mundo todo.

Ourinhos é a cidade que registra o maior número de casos suspeitos na região. Um século se passou desde a epidemia de gripe espanhola, e a história nos mostra que ainda temos que aprender muito com os erros e omissões do passado.

Fontes consultadas: Jornal da USP, Uma trágica primavera. A epidemia de gripe de 1918 no Estado de São Paulo, Brasil, de Maria Silvia C. Beozzo Bassanezi. 

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