Faringite finalmente é premiada

Imagem: internet

por Pascoalino S. Azords

Foi a caminho da farmácia com a listinha de compras que eu tive essa importante revelação: depois da aspirina, o eufemismo é uma das grandes invenções da humanidade. Eu tinha acabado de sair da Casa de Saúde, um lugar aonde ninguém gosta de ir, nem os seus mais dedicados funcionários. Por que se chama casa de saúde um local onde a saúde está por um fio? É num ambiente carente de boas notícias que o eufemismo mais prolifera. É ali que muitos passam dessa para a melhor, outros viram estrela no céu, e uma diarreia recebe o nome de episódio. Numa santa casa que se preza não existe mais operação de nada, o paciente faz apenas um procedimento; ninguém morre, o quadro evolui para óbito.

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Bem, ao chegar àquele nosocômio pela manhã, ao cabo da primeira fila tive que responder a algumas perguntas para atualização do cadastro. Por fim, a mocinha da portaria quis saber se eu sigo alguma religião. “Será que meu aspecto está tão feio assim? Será que já caso de extrema-unção?”. A mocinha explicou que não era nada disso, e, como quem dá um pirulito para sossegar uma criança chata, me colocou no pulso uma pulseirinha azul, de papel, com meu nome escrito por extenso. Se tivesse me dado uma vermelha, como três anos atrás, eu sabia que teria um atendimento imediato. Mas, numa escala de um a quatro, a pulseirinha azul é a menos importante, a menos emergencial. “Não tem problema, Groucho está comigo”. Eu explico: para amenizar o tempo perdido nesses lugares onde as filas se alongam como lombrigas, eu sempre levo alguma coisa pra ler. Funciona. Hoje cedo, por exemplo, enquanto a fila se contorcia reclamando da demora, eu morria de rir das histórias do Groucho Marx.

Na salinha da triagem, onde nos tomam a temperatura e a pressão, nenhuma pergunta de caráter religioso. Finalmente, chegou a minha vez, que uma hora tudo chega. Apesar de muito bonita, a jovem doutora não demorou a identificar o que vinha me afligindo há três dias: uma faringite. Não uma faringite qualquer, dessas que fazem o enfermo se sentir um maricas por ter procurado o médico. Segundo ela, a minha era uma faringite “bem premiada”. Imediatamente eu pensei na promoção de Natal que dará um carro para quem prestigia o comércio da cidade. “Mas eu nem preenchi um cuponzinho, doutora”, disse sem imaginar que na língua deles, premiada quer dizer intensa, avermelhada.

A consulta não podia terminar de forma mais humilhante, com a doutora me perguntando se eu conhecia Melhoral infantil. Voltei ao tempo em que ainda de calças curtas me apaixonava pelas minhas professoras. “Macete dois comprimidinhos e faça gargarejo várias vezes ao dia. Ajuda bastante”. Só não disse em quantos dias eu podia entrar com a papinha, ou com o danoninho que vale por um bifinho. Justiça seja feita: aquele comprimidinho simpático de baratinho, de longe o mais em conta do tratamento, foi o primeiro a fazer efeito deixando de novo a minha faringe sem aquela cara de premiada.

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