Um século de história da saúde em Ourinhos

O jovem médico carioca estacionou na Praça Mello Peixoto e saiu para conhecer a cidade. Naquela tarde de 1973, o doutor Nelson José de Castro Barbosa, recém-formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estava à procura de um colega para pedir informações sobre trabalho: “Nas cidades do interior, sempre tem um consultório perto da praça”.

Avenida Altino Arantes, ano 1992.

Subindo a Avenida Altino Arantes ele chegou ao consultório do doutor Fariz Freua, ao lado da antiga Farmácia Central. Como não tinha secretária, ele bateu e ouviu uma voz mandando entrar: “Estava lá o Fariz, sentado com os pés em cima da mesa, lendo o jornal à vontade. Baixou os óculos e me olhou, curioso. Quando disse que era psiquiatra, ele me interrompeu e disse que eu não precisava falar mais nada”. Doutor Fariz rapidamente guardou o jornal e levou aquele que seria o primeiro psiquiatra da cidade para conhecer a obra do Hospital de Psicopatas de Ourinhos.

Muitos anos antes, em 1927, outro médico carioca chegou a Ourinhos e, além de exercer seu ofício, foi prefeito por três ocasiões. A atuação do doutor Hermelino Agnes de Leão, como médico e político, transformou a incipiente área da saúde em Ourinhos. Percebendo a falta de médicos e necessidade de uma casa de saúde para atender a população, ele convidou o médico alemão Pedro Mueller, que estava se estabelecendo em Londrina, para montar o que parece ter sido o primeiro hospital da cidade. A casa de saúde foi instalada na Rua Nove de Julho, em frente de onde mais tarde seria construído o Cine Ourinhos, hoje Teatro Municipal Miguel Cury.

A “casa da dona Tata” foi demolida no início dos anos 2000.

Ali por perto, o próprio Hermelino também criaria um pequeno hospital, antes de construir o imponente sobrado na esquina das ruas Altino Arantes e Cardoso Ribeiro. Além de sua residência, o sobrado também foi um hospital, e ficou conhecido como “a casa da dona Tata”, uma referência a sua esposa, Maria Aurora Gomes de Leão. Em depoimento publicado no livro Ourinhos: memórias de uma cidade paulista, ela descreve a primeira cirurgia realizada pelo marido. A paciente da cidade de Cambará sofria com um fibroma:

“Precisou fazer uma cirurgia de urgência. Alugou um quarto no Hotel da Rua Nove de Julho, forrou todas as paredes com algodãozinho alvejado, passou cal em todo o algodãozinho e operou. A senhora ficou completamente curada”.




Naquela época não existia atendimento público de saúde como conhecemos hoje. Com a falta de médicos residentes na cidade, muitos vinham de outras localidades para atender em dias determinados, muitas vezes alugando quartos em hotel para as consultas ou atendendo os pacientes em suas residências.

Publicação do jornal “A Voz do Povo”, 7 de dezembro de 1930.

Um balancete publicado pela Câmara Municipal em 1930 mostra que as despesas da prefeitura foram com o pagamento do salário do prefeito, um único secretário, coletor, guarda livros e dois fiscais. Além dessas despesas, a prefeitura gastou com manutenção de estradas, tratamento de água e obras públicas. Investimentos em saúde ou educação não eram funções do município naquela época. Quem precisava de assistência médica precisava pagar ou contar com a caridade dos profissionais de saúde, como muitas vezes acontecia.

Dona Tata e Dr. Hermelino

Hermelino Agnes de Leão foi homem de temperamento arrojado e formação humanista. Esforçou-se em iniciar o tratamento de água na cidade, sabendo da importância para a melhoria da saúde da população, que sofria com verminose, maleita e até lepra. Construir uma Santa Casa de Misericórdia foi um dos projetos aos quais se dedicou com afinco.




No Brasil, as santas casas surgiram já no século 16; a primeira foi fundada na cidade de Santos, em 1543. Daqueles tempos até os dias atuais a saúde pública brasileira foi se estruturando a passos lentos. A partir da regulamentação dos direitos trabalhistas durante governo de Getúlio Vargas, foram instituídos também direitos ligados à seguridade social, e a saúde pública foi institucionalizada pelo Ministério da Educação e Saúde Pública. Os avanços foram importantes, mas o Ministério da Saúde seria criado somente em 1953. Muitos anos depois, com a Constituição de 1988, começou a funcionar o Sistema Único de Saúde – SUS, facilitando o acesso da população ao atendimento médico.

Construção da cobertura da Santa Casa, 10 de agosto de 1941

Mas doutor Hermelino tinha um olhar no futuro, e com o apoio entusiasta de empresários e fazendeiros liderou campanhas de arrecadação de recursos. O prédio da Santa Casa de Misericórdia de Ourinhos foi inaugurado em 1941 e a instituição foi administrada por uma ordem religiosa por muitos anos. Naquela época as santas casas eram criadas e mantidas com doações das comunidades.  Vale ressaltar a rapidez da obra, que não demorou um ano para ser concluída.

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O mesmo não aconteceu com o Hospital dos Psicopatas, que teve o lançamento da pedra fundamental em 1954, mas iniciou suas atividades somente em 1977. “Quando o doutor Fariz me levou para conhecer a obra, ela estava parada. Por ali não havia casas, fomos por uma trilha no meio do mato. O prédio tinha as paredes e cobertura, mas não tinha janelas nem portas. Faltava bastante para acabar, e só tinha um pavilhão”, lembra Nelson Barbosa.

Hospital Psiquiátrico de Ourinhos




A construção do Hospital de Psicopatas, que anos depois teve o nome mudado para Hospital de Saúde Mental, foi uma iniciativa de um grupo de maçons ourinhenses, ligados à religião espírita, preocupados em amparar alcoólatras e andarilhos com problemas mentais.

Dr. Nelson de Castro Barbosa, um pilar do Hospital Psiquiátrico de Ourinhos

“A droga da época era o álcool, não havia cocaína, maconha, crack… pelo menos isso não era um problema médico. Havia muita internação de alcoólatras”, conta doutor Nelson.

Outros hospitais foram construídos em Ourinhos ao longo do tempo. Segundo o professor Norival Vieira da Silva em seu livro Crônicas da cidade, havia um hospital no local onde hoje está o Grande Hotel, na Rua Cardoso Ribeiro, de propriedade do doutor Augusto Pena. Esse mesmo médico construiu o prédio do Hospital Monzillo, que foi adquirido pelo doutor Luiz Monzillo, e recebeu seu nome. Outros hospitais foram construídos na cidade pelo  doutor Luiz Camargo Pires; um funcionou na Avenida Jacinto Sá, outro, o Hospital São Camilo, foi instalado ao lado do prédio onde hoje funciona o Banco do Brasil. Posteriormente, com o fechamento do hospital, o prédio foi transformado em hotel. Em 1938 foi inaugurada a Clínica Ovídio Portugal, na rua Expedicionários, especializada em olhos, ouvidos, nariz e garganta.

Ao lado da Fatec, o esqueleto do Hospital Regional, onde atualmente está instalado o AME.

No final da década de 1980, a cidade elegeu outro prefeito médico: Dr. Clóvis Chiaradia, que, percebendo que a Santa Casa não tinha estrutura para atender aos pacientes da região, sonhou com a construção de um prédio onde seria instalado o Hospital Regional. Depois de muito trabalho para sua viabilização, a obra acabou paralisada, e só foi retomada muitos anos depois, na gestão do ex-prefeito Toshio Misato, que, com apoio do governo do Estado retomou e concluiu o prédio onde hoje funciona o Ambulatório Médico de Especialidades, o AME. Desta forma, depois de muitos anos, o sonho do médico Clóvis Chiaradia acabou sendo realizado.

A Santa Casa de Ourinhos cresceu, mesmo enfrentando inúmeras crises, a maior parte provocada pela perversa política econômica do país. O mesmo não aconteceu com o Hospital de Saúde Mental, cuja sobrevivência foi sempre dificultada pela crônica falta de recursos. Seu primeiro administrador foi Antônio Neves, e muitos médicos ourinhenses contribuíram com seu trabalho dedicado durante muitos anos. Dentre eles, destacam-se Roald Correa, Clóvis Chiaradia, Fariz Freua, Takashi Masuda e os psiquiatras Nelson Barbosa, Maiza de Britto Sant’Anna e Maria José Furlan.




A cidade se transformou, e apesar do fechamento de antigos hospitais, o atendimento médico em Ourinhos hoje é referência na região. Novas clínicas e profissionais continuam chegando e surgiram novos hospitais ligados à Santa Casa. A Vila Moraes, onde está localizada a Santa Casa, passou por transformações e muitas residências hoje são clínicas e consultórios particulares, alterando o perfil do bairro.

Dr. Nelson vai voltar a morar no Rio de Janeiro após 45 anos em Ourinhos.

Em 2016, o Hospital de Saúde Mental de Ourinhos encerrou suas atividades. “Agora não existe mais atendimento psiquiátrico hospitalar aqui, o que dificulta muito para as famílias, que precisam encaminhar os pacientes para outras cidades. Das ironias da vida… vi o hospital começar, e fui o último a deixar o lugar, aguardando a transferência dos pacientes”, conta doutor Nelson Barbosa, que está retornando ao Rio de Janeiro após a aposentadoria.

Para produzir este texto, a equipe do Jornal Biz pesquisou em: “Crônicas da cidade”, de Norival Vieira da Silva; “Memórias de uma cidade paulista”, de Jefferson Del Rios; Edições do jornal “A Voz do Povo”, disponíveis em http://www.tertuliana.com.br/docs ; site Memórias ourinhenses (https://ourinhos.blogspot.com.br/) ; texto “O início da política pública para a saúde no Brasil: da República velha à Era Vargas”, de Paulo Silvino Ribeiro; site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (http://cee.fiocruz.br/ ).

Fotos: Frederico Hahn; Minoru, Luiz Carlos Seixas, Bernardo Fellipe Seixas e Blog de Wilson Monteiro.

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