A terra tomava conta das ruas da cidade e os filmes ainda eram mudos quando os ourinhenses se reuniram para assistir a primeira sessão de cinema.
Sobre a data exata não há registro, mas sabe-se que no início dos anos 1920, Ourinhos contava com uma sala de cinema, o Cine Municipal, na Avenida Altino Arantes. Depois dele, na Praça Mello Peixoto, surgiu o Cine Tizim, como era conhecido o Cine Central, fundado por Narciso Migliari. “Tizim” era o apelido de Narciso, pai do ex-prefeito Lauro Migliari.
Foi nessa mesma década que surgiu aquele seria o principal cinema até o início dos anos 1940: o Cine Cassino. Fundado por Álvaro Rolim, o Cine Cassino ficava no cruzamento da Rua São Paulo com Expedicionário, que na época se chamava Piauí. Em imagem dos primeiros tempos do Cine Cassino, é possível identificar os músicos que executavam a trilha sonora ao vivo durante as sessões. Quem guarda boas recordações do cinema é Tibério Bastos Sobrinho, hoje com 95 anos: “Era um cinema modesto, de cidade do interior, um prédio tosco, mas que acomodava o povo. O pessoal se divertia, isso deixa saudades”. Ele diz que apesar da simplicidade da sala, as sessões eram muito concorridas.
“A cidade não comportava coisa melhor, não existia calçamento e o sistema de água era muito precário. Os destaques eram os filmes de cowboy e Tarzan. O cinema era uma atração”. Mas a diversão também era limitada pelos costumes da época: “Eu não namorava no cinema, era muito ingênuo”, diz ele sem disfarçar um sorrisinho.
“O namoro era muito fiscalizado, mas de vez em quando a gente pegava na mão, tudo direitinho”, lembra seu Tibério, que trabalhou por muitos anos na prefeitura de Ourinhos, onde se aposentou.
Mais tarde, no dia 2 de setembro de 1944, quando a Europa ainda sofria com os efeitos da guerra, foi inaugurado o Cine Ourinhos. E o conflito mundial era o tema do filme escolhido para a sessão de inauguração: Fugitivos do Inferno, uma superprodução hollywoodiana estrelada por Errol Flynn e pelo ator estreante, e futuro presidente norte-americano, Ronald Reagan. No registro do fotógrafo Francisco de Almeida Lopes, a calçada da Rua Nove de Julho aparece tomada pelo público que aguardava aquela sessão histórica, que contou com a presença de autoridades locais, como o prefeito Hermelino Agnes de Leão.
À frente do Cine Ourinhos estava aquele que teria seu nome para sempre associado ao cinema da cidade: Romeu Silva. “Seu Romeu do cinema”, como era conhecido, veio de Botucatu para trabalhar no Cine Cassino. Com a inauguração do Cine Ourinhos, assumiu também a gerência da nova sala.
Ao seu lado, a esposa Glorinha, responsável pelas famosas balas de café que fizeram sucesso entre os frequentadores. Ao final daquela década o cinema já contava com três sessões nos fins de semana. Além dos filmes, o Cine Ourinhos também era palco de apresentações teatrais. Na edição de 1º de dezembro de 1945, o Jornal A Voz do Povo trazia uma nota sobre a última apresentação do “Ventríloquo Professor Chandin e seus oito bonecos falantes”.
Quem cresceu frequentando as matinês do Cine Ourinhos, certamente se recorda das comédias de Mazzaropi, dos faroestes e dos filmes do Tarzan. Antonio Romane ainda era criança e aproveitava as sessões para trocar gibis na porta do cinema: “Lembro-me da troca de gibis (eu preferia os “desenhos”) na porta do cinema, só podíamos entrar com três nas mãos, mas escondíamos alguns por baixo da camisa – se o gordo Tufi pegasse, adeus Pinduca e Bolinha. O que fazia o Tufi além de colecionar tanto gibi tomado? O filme não importava muito, mais importante era a sequência do seriado: será que o mocinho vai salvar a mocinha?”, recorda com saudade o jornalista que viveu sua infância e adolescência em Ourinhos.
Num período em que a televisão ainda não reinava nos lares da cidade, filmes e histórias em quadrinhos faziam a cabeça da molecada. Para os mais velhos, ir ao cinema era também uma possibilidade de iniciar ou consolidar um namoro.
“Logo, logo eu descobriria que era alérgico a laquê… Eu, que não gostava daqueles filmes açucarados de Hollywood, mas, sabe como é, o que não se fazia por um sorriso da moçoila?”, diz Romane.
Exclusivo Jornal Biz: Leia crônica de Antonio Romane sobre o cinema em Ourinhos.
Outra lembrança do jornalista são os filmes japoneses que eram exibidos semanalmente no Cine Ourinhos: “Então vieram os filmes japoneses, eu frequentava as sessões assiduamente; ali descobri o Kurosawa de Viver”. Para Romane, aquela foi uma “época dourada” do Cine Ourinhos, e se recorda da euforia dele e dos amigos quando “saíam da sessão depois de assistir a um filme tão aguardado”.
Ainda com o Cine Ourinhos em funcionamento, a cidade ganharia uma nova sala de cinema, mais bem equipada, ampla e com poltronas estofadas. No início da década de 1960, o Cine Peduti foi construído no local conhecido como largo da Matriz, hoje esquina da Rua Antônio Carlos Mori com Arlindo Luz. O novo cinema foi inaugurado no dia 15 de junho de 1967, com capacidade para 1315 pessoas.
Em sua fase final, no início dos anos 1980 e já em plena decadência, a programação do Cine Ourinhos ficou por conta das pornochanchadas, uma satisfação para os hormônios agitados dos maiores de dezoito anos. Aos menores, restava arriscar-se com uma falsa carteirinha de estudante. Mas o caminho não tinha volta e o encerramento das atividades foi inevitável. Alguns anos após seu fechamento, na gestão de Esperidião Cury, a prefeitura comprou o prédio, dando início à construção de um teatro. Em dezembro de 1988, a poucos dias do final do seu mandato, Esperidião inaugurou o Teatro Municipal Miguel Cury.
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Mas com a diminuição de frequentadores, a chegada das locadoras de filmes e o fim dos chamados cinemas de calçada, o Cine Peduti acabou fechando as portas em 2002, e no local foi construído o Shopping Cinemarti, equipado com duas salas. Nesse intervalo, foi inaugurado na Rua Paraná, onde hoje existe uma igreja, o Cine Majestic, que se manteve apenas por um breve período.
Embora os antigos moradores guardem boas lembranças das idas ao cinema, o fato é que por todo o Brasil as antigas salas seguiram um roteiro muito parecido. Com o domínio da televisão e as facilidades tecnológicas, as salas de cinema foram se tornando obsoletas e boa parte delas se transformou em igrejas ou simplesmente foram demolidas.
A série 100 Anos Ourinhos tem o apoio da Fundação Educacional Miguel Mofarrej, mantenedora das Faculdades Integradas de Ourinhos e do Colégio Santo Antonio Objetivo.
Veja abaixo vídeo-teaser desta reportagem veiculada em redes sociais.
Para produzir este texto a equipe do Jornal Biz pesquisou em “Ourinhos: Memórias de uma cidade paulista”, de Jefferson Del Rios (Prefeitura de Ourinhos, 1992); site https://ourinhos.blogspot.com.br(Memórias ourinhenses); jornais “A Voz do Povo” e “O Progresso de Ourinhos”, disponíveis em http://tertuliana.com.br/docs/acervo. Foram entrevistados Tibério Bastos Sobrinho e Antônio Romane.
Fotos antigas: Acervo Francisco de Almeida Lopes; Grupo Ourinhos Sempre (Facebook).