O começo de tudo: Uma Aventura pelo Paranapanema em 1886

Construção de uma ponte no picadão, 1905 ou 1906. Exploração do Rio do Peixe.

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Conteúdo original Jornal Biz

A região era formada por mata fechada. Pelos vestígios era possível perceber a presença dos índios, que se escondiam assim que eram avistados. As superstições e crendices traziam medo à equipe que enfrentava o desconhecido com equipamentos rudimentares. O risco de doenças era uma realidade, e a falta de povoados onde fosse possível comprar comida trazia dificuldades ao grupo de homens que explorava o rio Paranapanema no ano de 1886.

Cachoeira do Capivara. Rio Paranapanema, 1906.

O que parece ser uma cena retirada de um filme de aventura, revela o que foi a expedição comandada pelo engenheiro Theodoro Sampaio (1855-1937), baiano filho de uma escrava e de um padre, que percorreu o rio Paranapanema desde a sua nascente até a foz no rio Paraná, no ano de 1886.

Theodoro Sampaio | Foto: Portal África

Aos 31 anos, ele foi contratado pela Comissão Geográfica e Geológica da Província de São Paulo para explorar os rios Itapetininga e Paranapanema.

Sua missão era produzir mapas e escrever relatórios sobre tudo o que veria.  Essa Comissão atendia aos desejos dos fazendeiros de café, que queriam saber como estabelecer uma ligação fluvial entre a rede ferroviária que já existia e a navegação no rio Paraná.




É bom lembrar que naquele período o Brasil vivia o auge da cafeicultura e a região era estratégica em função de sua posição geográfica e pela fertilidade das terras. Mas a aristocracia cafeeira enfrentava problemas com a carência de braços para o trabalho. Embora a abolição ainda não tivesse sido proclamada, já existiam leis que dificultavam a compra de escravos. Para atender o interesse dos cafeicultores, que pretendiam expandir seus negócios com mão de obra barata, foram lançadas campanhas estimulando a vinda de imigrantes da Europa e  Japão para trabalhar nas lavouras de café.

Anúncios incentivam agricultores a contratar imigrantes japoneses. | Fonte: internet

A produtividade das terras desta região fazia “crescer os olhos” dos fazendeiros. Porém, eles conheciam pouco este território formado praticamente por mata virgem, e os únicos mapas existentes eram aqueles que haviam sido feitos pelos bandeirantes ou anotações de tropeiros, que não possuíam todas as informações que precisavam. É nesse momento que entra em cena a expedição comandada por Theodoro Sampaio.

Essa aventura, que durou 4 meses e 5 dias, não foi nada fácil. As dificuldades começaram já na hora de formar a equipe. No relatório, que foi publicado em 1889, Theodoro relata que os moradores de Itapetininga eram “esquivos e receosos” em descer o rio e que foi preciso recorrer aos “officios de alguns bons amigos” e a indivíduos de outros lugares para compor o pessoal da expedição. Ao todo eram 18 homens sendo que dois eram índios Cayuás que se juntaram à expedição quando essa atingiu Piraju. Sampaio se referia ao grupo de caboclos como “um pessoal bisonho e mais que tudo cheio de temores e desconfianças”.




São interessantes as impressões relatadas por Theodoro Sampaio sobre o Rio Paranapanema. Referindo-se à escassez de gente, escreve, com a ortografia da época: “Quem desce o curso do Paranapanema sem ter idea da ocupação do território que este rio atravessa e fertiliza, desde logo fica com aquella impressão de quem se emprenha num deserto, onde a matta virgem, a caça abundante e variada a todo instante sugerem ao viajante a idea de uma região nova e desconhecida”.

Aldeia Cuyabá – índios cayuás. Região próxima às margens do Rio Paranapanema, 1906.

Porém, nos apontamentos de outro dia, Theodoro Sampaio observa que era ilusória a solidão da equipe que explorava o rio: “….a presença do índio que nos espreita, mas que nunca aparece. As estreitas e compridas canoas atadas a pequenas varas a margem do rio, a vereda mysteriosa que vem ter a agua e se embrenha pela matta sombria, as armadilhas e laços no alto da barranca para a caça abundante e esquiva, uma pequena canoa tripolada que desponta ao longe, no fim do estirão, e que subitamente desaparece, tudo nos diz que estamos em pleno domínio dos selvícolas”.

Corredeira Tombo do Meio. Rio Paranapanema, 1906.

Quando as condições do rio impediam a navegação, o jeito era arrastar ou colocar as canoas em carros de boi e percorrer o trecho abrindo picadas na mata.




No dia 29 de julho de 1886 a expedição chegou à bacia de Salto Grande depois de explorar a foz do Rio Pardo.

No quadrado, em destaque, a “planta do Salto Grande”, ainda um povoado, 1886.

Nos mapas produzidos pela expedição existem referências aos “pousos”, sendo que um deles foi feito na margem paranaense do rio na altura do que viria a ser o município de Ourinhos. Sobre os tais pousos Sampaio escreve “escolhia-se o logar para o acampamento, derribava-se o matto, e assentavam-se as barracas de modo a deixar um largo terreiro, onde à noite se acendia grandes fogueiras, de que todos se acercavam comentando os incidentes do dia. Além dos cães de sentinela, um homem em cada noite velava pela segurança de todos”.

Cozinha de um acampamento, Rio do Peixe, 1906.

Embora a finalidade de expedição fosse o levantamento geográfico, geológico e topográfico dos Rios Itapetininga e Paranapanema, nos mapas produzidos existem referências a quatro “freguesias” da região: Salto de Piraju, Campos Novos do Paranapanema, Santa Cruz do Rio Pardo e Salto Grande do Paranapanema. Durante o império, eram denominadas “freguesias” pequenas povoações, basicamente rurais.

Sobre Salto Grande, Sampaio escreve “Neste sítio ergue-se agora pequena povoação na margem paulista, destinada a prosperar em vista da sua posição e boa qualidade das terras que a circumdam; mas são ainda em pequeno numero os seus habitantes, quase todos mui pobres, e com pequenas lavouras de cereais que apenas dão para o consumo local. Como logar incipiente, não tinha ainda nesta data nem commercio, nem mesmo comunicação postal regular com os municípios vizinhos”.

Como resultado dessa aventura percorrendo os rios Itapetininga e Paranapanema, o engenheiro Theodoro Sampaio produziu um conjunto de mapas que serviu de referência para a instalação das ferrovias e a para as negociações envolvendo as terras. A estação ferroviária foi inaugurada por aqui, em 1908, em terras pertencentes ao coronel Jacinto Ferreira de Sá, que havia comprado toda a área onde Ourinhos cresceria décadas depois. Nada aconteceu por acaso.



Com a proximidade do centenário de Ourinhos é interessante perceber que apenas 32 anos separam a descrição de um território deserto e praticamente desconhecido e a fundação do município ligada à ferrovia, símbolo do progresso no período. Em 1917, em documento que integra o processo de criação do município de Ourinhos, a população da então vila contava com “10 mil almas, sendo 231 o número de prédios existentes no perímetro urbano”.

Série 100 Anos Ourinhos
Para produzir este texto, a Equipe Jornal Biz pesquisou em “Exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema”, pelo engenheiro Theodoro F. Sampaio, publicado pela Commissão Geographica e Geologica da Provincia de S.Paulo em 1889 e reeditado em 2003 pela Duke Energy, a partir de original cedido pelo Museu Republicano de Itú (SP), Coleção Prudente de Morais; “Viagem pela cartografia do Território Paulista: da exploração dos rios às imagens dos satélites”, editado pela Secretaria de Economia e Planejamento – Instituto Geográfico e Cartográfico – Governo do Estado de São Paulo em 2010 e “Ourinhos, memórias de uma cidade paulista”, de Jefferson Del Rios, editado pela Prefeitura Municipal de Ourinhos em 1992.

Fotos históricas: Viagem pela Cartografia do Território Paulista – da exploração dos rios às imagens de satélites – Governo do Estado de São Paulo, 2010.

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4 COMMENTS

  1. Fantástico o trabalho de vocês! Já estou ansioso com a segunda reportagem. Theodoro Sampaio foi um grande explorador de terras “virgens” no Estado de São Paulo, mas não sabia de seu trabalho na região de Ourinhos.