Basta uma breve reflexão sobre os acontecimentos de 2018 em Ourinhos para constatar que um dado intrigante marcou o ano que passou: a quantidade de jovens que cometeram suicídio. Se tirar a própria vida é sempre motivo de comoção e de perplexidade, quando se trata de pessoas muito jovens os questionamentos são ainda maiores.
Pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que em termos mundiais o suicídio já se configura como a segunda causa de morte na população entre 15 e 29 anos. No Brasil, dados do Ministério da Saúde constataram que nessa mesma faixa etária, o suicídio é a quarta causa de morte. Se em 2000, o índice de suicídio no país era de 4,1 para cada 100 mil habitantes, em 2016 esse número pulou para 5,5. Depressão, solidão, pressões familiares e sociais estão entre as possíveis causas de um problema que já vem sendo tratado como uma questão de saúde pública.
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Na tentativa de contribuir para a compreensão desse fenômeno, o Jornal Biz ouviu especialistas em saúde mental que indicam caminhos para decifrar esses dados alarmantes. Para Marcimedes Martins da Silva, doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e autor do livro Suicídio: trama da comunicação (Scortecci, 2008), trata-se de um gesto de comunicação, um “gesto que comunica a falência do Estado, da sociedade e da família”. Para ele, muitas vezes o indivíduo sinaliza sua intenção, mas não encontra respaldo mesmo entre aqueles que estão ao seu redor:
“Os gritos de socorro não são ouvidos, são ignorados e, em casos extremos, até mesmo desprezados”.
As pressões familiares e sociais que determinam padrões e valores também podem desencadear frustrações e isolamento entre os jovens. “Não se encaixar dentro de uma expectativa familiar, social ou mesmo política pode ser fator desencadeante de frustrações, verdadeiras raízes para desenvolver quadros de suicídio”, diz Marcimedes.
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Para Guilherme Lacombe, médico psicanalista e psiquiatra formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, as pressões fazem parte da vida moderna, com predomínio de uma ideia de sucesso profissional e financeiro que se sobrepõe aos laços familiares e comunitários: “O que observo é que as pessoas se sentem mais solitárias hoje em dia. Isso corresponde à fragilização do nosso lugar na sociedade, uma vez que esse lugar não depende mais daquilo que sou como indivíduo, ou dos valores humanos que represento, mas daquilo que possuo ou que aparento ser”. Com relação aos jovens, Guilherme reconhece que eles estão mais sujeitos aos padrões estéticos e às exigências sociais mais rígidas.
“Padrões religiosos, morais ou éticos muito rígidos podem gerar um sentimento de inadequação que, no limite, produzem sofrimentos tão severos que podem levar ao suicídio”, observa Guilherme.
Alguns estudos indicam que o uso inadequado das redes sociais contribui para o desenvolvimento de quadros de depressão entre os jovens. Pesquisa realizada com estudantes da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, revelou que usar as redes sociais por menos tempo levou a “reduções significativas tanto da depressão quanto da solidão”.
Outro estudo, realizado pelo University College London, na Inglaterra, indicou que as meninas são mais vulneráveis ao uso excessivo das redes sociais, e constatou que as taxas mais elevadas de depressão estavam relacionadas ao “assédio online, ao sono precário e a baixa autoestima”.
Embora reconheçam a fragilidade das relações estabelecidas nas redes sociais, os dois profissionais entendem que o uso descontrolado é um agravante, mas não necessariamente a causa de transtornos emocionais.
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“A ansiedade e a solidão já eram problemas sociais antes do surgimento da Internet. Com a chegada das redes sociais tais problemas agravaram-se, e o controle sobre o uso é fundamental”, entende Marcimedes.
“A urgência de ser o primeiro a comunicar ou a receber mensagens, e de tirar incontáveis selfies, revela uma alta ansiedade, que somada a solidão, cresce em proporções gigantescas conforme se aumenta o tempo de conexão”, conclui.
Guilherme Lacombe lembra que a relação que o jovem estabelece com as redes sociais pode ser entendida não como causa, mas como consequência de uma fragilidade emocional. “Relações virtuais não substituem relações reais. Se forem buscadas com esse fim já há um problema que levou esse jovem a buscar na Internet o que ele não pôde encontrar no mundo real”, lembra Guilherme.
Um decreto assinado há poucos dias pelo presidente Jair Bolsonaro facilitando a posse de armas pode agravar ainda mais essa situação. Diferente dos Estados Unidos, onde 50% dos suicídios são praticados com armas, no Brasil esse percentual é de 8,4% do total de suicídios. Porém, os especialistas lembram que lá o acesso às armas sempre foi muito facilitado, e a medida adotada pelo Brasil tende a impulsionar esses dados no país.
A ocorrência maior de casos faz com que familiares busquem informações sobre indícios de algum tipo de transtorno emocional que possa levar um jovem ao suicídio. “Quem pensa ou ameaça cometer suicídio, de diversas maneiras avisa que efetivará o ato, porém há falta de sensibilidade de quem está ao redor, quer por desconhecimento, quer por egoísmo”, diz Marcimedes. Ele afirma ainda que algumas atitudes são formas de comunicar essa intenção, como “quem fala muito e passa a ficar calado, quem começa a falar frases como se tivesse morrido, quem tem uma vida social e passa a querer isolamento”.
Guilherme Lacombe também destaca as mudanças no comportamento como indicações de sintomas. “Uma tendência para maior isolamento, afastamento das atividades habituais, dificuldades maiores de comunicação com as pessoas próximas. Todos esses são sinais de um quadro depressivo, o que já exige uma atenção maior, possivelmente uma busca por atendimento médico”, alerta Guilherme. Ampliar a possibilidade de comunicação no interior da família é fundamental e os sinais precisam ser encarados com seriedade: “Em primeiro lugar procurar falar sobre o assunto, oferecer espaços de diálogo, oportunidades para que o adolescente possa se expressar. Se nada disso for suficiente, é preciso procurar ajuda profissional”.
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O suicídio sempre existiu de alguma forma em todas as sociedades. A vida moderna certamente apresenta maiores pressões e desafios para todos, que são particularmente sentidos por aqueles que possuem alguma dificuldade em superá-los. Portanto, o caminho para se evitar uma situação que causa tantos impactos, inclusive para quem está ao redor da pessoa, passa pela ampliação da possibilidade de diálogo na família e entre as pessoas mais próximas, além da ajuda profissional.
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