![capa tempo de avanco](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/capa-tempo-de-avanco.jpg?resize=696%2C574&ssl=1)
O relançamento do livro 1968 – O ano que não terminou, do jornalista Zuenir Ventura, trinta anos após a primeira edição, não acontece por acaso. Naquele ano, pairava um clima de inquietação e revolta, com questionamentos sobre a política tradicional, a moral e o comportamento. Em diversos países, os jovens saíram às ruas para protestar, desafiando governos e poderes de todos os tipos. Enquanto artistas buscavam expressar essa pulsação em suas obras, outros partiram para ações mais diretas, optando pelo confronto armado.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/1A.jpg?resize=640%2C520)
No Brasil vivia-se a ameaça constante da repressão imposta pelos militares, com a conivência de uma elite empresarial e do clero mais conservador, segmentos que apoiaram o golpe de 1964.
Na música, o público se dividia entre as guitarras elétricas e os cabelos compridos dos tropicalistas, e as músicas de protesto que apostavam numa arte “mais engajada”. Na política, a revolução cubana e a figura icônica de Che Guevara inspiravam jovens que optaram pela guerrilha. Para Zuenir, a geração de 1968 se equivocou ao acreditar “que a revolução dependia apenas da vontade, do ideal”. Por outro lado, essa mesma geração impôs transformações culturais na sociedade. “Mudaram as roupas, os cabelos, a maneira de cantar e o autoritarismo na relação com os pais, professores e poder. Movimentos como o feminista, o negro, o homossexual e o ecológico ganharam força nessa época”, lembrou o jornalista em entrevista ao jornal Metrópoles, no início deste ano.
A reação mais radical a essa efervescência viria com a decretação do Ato Institucional nº 5 em 13 de dezembro de 1968, que instituiu a censura, cassou e prendeu parlamentares, extinguiu as liberdades individuais e abriu caminho para a prática da tortura como política de estado. Se a maioria dos órgãos de imprensa sofreu com a censura imposta pelo regime, outros se aproveitaram da situação, como a TV Globo que cumpriu o papel de legitimar as ações de uma ditadura que se estenderia por longos 21 anos.
Mas o que acontecia na ‘pacata e ordeira’ Ourinhos daqueles tempos? O clima de insatisfação de 1968 também contagiou alguns jovens ourinhenses, e foi por meio das artes e da imprensa que eles canalizaram esse desejo de mudança. Muitos desses jovens estudavam ou haviam passado pelo antigo Instituto de Educação Horácio Soares. E foi no início do ano que a cidade viu surgir o jornal Tempo de Avanço, com uma postura diferenciada, inovadora e com abordagens mais críticas.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/TA_01_05_1968.1jpg-1.jpg?resize=640%2C327)
Quem conta um pouco dessa história é o jornalista José Rodrigues, responsável pela criação do jornal: “O Tempo de Avanço surgiu como decorrência de meu descontentamento com os jornais da cidade. Comecei fazendo coluna de estudante no Progresso de Ourinhos, quando o professor José Serni – a quem devo muito profissionalmente – escolheu cinco alunos para escrever no jornal: eu, Antônio Romane, José Carlos Bortolato, Laercio Cubas da Silva e outro que não lembro o nome. Eu tinha 15 anos”.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/Acervo-Antonio-Romane.jpg?resize=554%2C633)
José Rodrigues trabalhou ainda no Jornal da Divisa, que surgia naquele momento. Mas o desejo de criar seu próprio jornal falou mais alto: “Falei com os professores Carlos Nicolosi e Norival Vieira da Silva e com o Romane, que abriu a firma em seu nome por eu ser menor de idade”. José Rodrigues contava apenas 16 anos, mas apesar da pouca idade tomou a frente do negócio e o Tempo de Avanço acabou se tornando uma realidade.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/TA_07_04_1968.jpg?resize=527%2C800)
A relação do jornal com o movimento estudantil sempre foi muito próxima. Um fato marcante na época, e que provocou intensas manifestações, foi a morte do estudante Edson Luiz Souto no Rio de Janeiro, com um tiro disparado pela polícia. O episódio estampou a capa do segundo número do jornal: “O país balançou com a morte do Edson Luiz, acendendo o movimento estudantil. Enquanto estudantes, mandamos celebrar uma missa de desagravo e o jornal assumiu seu papel. A capa da edição nº 2 foi uma das que mais gostei: uma cruz, com o olho em cima do título (Povo rezou na missa….) e na parte baixa da cruz o texto. Em cima, duas frases do Arapuã, humorista da Última Hora, bem sérias e pesadas”, lembrou José Rodrigues. O Tempo de Avanço assumia sua posição, e as edições que se seguiram evidenciaram a sintonia com questões fundamentais naquele momento, principalmente para os mais jovens.
A vontade de mudança fazia com que os jovens se interessassem em participar da política. Nas eleições, cinco estudantes se lançaram candidatos a vereador. Antônio Romane participou da disputa concorrendo pelo MDB, partido que representava uma espécie de oposição consentida pela ditadura, e que por isso abrigava simpatizantes do Partido Comunista Brasileiro. “O jornal me apoiou, com pequenos anúncios e folhetos. Não havia dinheiro para um apoio que fosse além disso. Eu recebi o apoio do Partido Comunista Brasileiro, ao qual eu me liguei mais tarde”, lembra Romane.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/TA_13_11_1968-1.jpg?resize=640%2C468)
Sérgio Nunes Faria fazia parte daquele grupo, atuando principalmente na área teatral. Como diretor do Grupo de Teatro Amador de Ourinhos, o GRUTAO, Sérgio levou aos palcos de Ourinhos e da região textos que se tornaram emblemáticos nos anos 1960. Na edição de oito de setembro, o Tempo de Avanço destacou as premiações do GRUTAO nas eliminatórias do VI Festival de Teatro Amador da Média Sorocabana. Arena Conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com músicas de Edu Lobo, foi escolhido como melhor espetáculo, e Sérgio Nunes conquistou os prêmios de melhor direção, cenografia e figurinos.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/TA_08_09_1968-2.jpg?resize=456%2C800)
A cultura sempre ocupou um espaço privilegiado no jornal. Além da publicação de textos de autores como Brecht e Maiakovski, Thiago de Melo e Walt Whitman, era possível ler artigos que analisavam o movimento tropicalista e os festivais da canção, além de matérias que divulgavam a programação do Cineclube da cidade.
“Sempre fui curioso, descobri cedo a livraria do Thomé e a biblioteca do doutor João Bento. Trocávamos informações o tempo todo, não só literatura, mas também muita música. Acompanhávamos os festivais de música brasileira e o tropicalismo de perto. Foi na casa dos Rodrigues que primeiro eu vi um disco do Jorge Ben. Eu comprava discos do Chico Buarque e dos Rolling Stones. Certamente, fomos os primeiros da cidade a ouvir o Sargent Peppers, dos Beatles”, recorda Romane, que era responsável pelas matérias de cultura do jornal.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/TA_20_10_1968-1.jpg?resize=513%2C800)
“…O 1º (e último) Festival de Cinema em nossa cidade fracassou redondamente… Perfeitamente compreensível, você quer se alienar a cada dia mais…”
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/TA_03_11_1968.jpg?resize=640%2C485)
O mesmo tom contestador era mantido quando se tratava de assuntos relacionados ao comportamento e à moral tradicional da época. Numa cidade que vivia sob a mão pesada do conservadorismo católico, a publicação de matérias sobre a utilização da pílula anticoncepcional ou da pena de morte certamente causava reações: “Chegamos a chocar um pouco mais pela coragem de assumir posições de vanguarda numa cidade conservadora. O que chocou mesmo foi o Goiabão, meu primeiro jornal, feito no Instituto e que me custou a cassação de meu cargo no Grêmio e na comissão de formatura da 4ª série. Também fui proibido de trabalhar pela cooperativa dos estudantes dentro da escola”, diz José Rodrigues.
A reação era esperada, afinal o jornal acompanhou de perto episódios como a revolta dos padres da diocese de Botucatu após a nomeação de um bispo conservador, além da prisão das freiras do Asilo São Vicente de Paula que aconteceu naquele ano.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/Vicente-Dirceu-e-Antonio-Romane.-Atrás-José-Carlos-Bortolato.jpg?resize=640%2C668)
Em 25 de agosto, em um artigo assinado por Ernesto Almeida, pseudônimo utilizado por José Rodrigues, o alvo era a ultraconservadora Liga da Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP, organização acusada de apoiar a ditadura. Em determinado momento, o artigo reproduz uma fala do então deputado Chopim Tavares sobre a TFP:
“São uns débeis mentais, merecem compaixão e tratamento com psiquiatra”. E o autor do artigo complementa: “Que eles são débeis mentais, concordamos. Discordamos apenas no que eles merecem…”.
O artigo é encerrado com outra observação do deputado sobre o bispo Dom Geraldo Sigaud, que havia declarado que “o diabo era comunista”, além de ser um dos fundadores da TFP: “Esse bispo tem, psicologicamente, 200 anos”. Coragem e rebeldia eram ingredientes indispensáveis nos textos daqueles jovens jornalistas.
Com a decretação do AI-5, as dificuldades se multiplicaram: “Mudamos a linha, partindo para reportagens ao invés de artigos. Foi o período em que os colaboradores deixaram Ourinhos e, confesso, a coisa perdeu a graça. Não havia mais pique”. O jornal ainda publicou mais quatro edições em 1969, mas encerrou suas atividades naquele ano.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/20597469_1566284546762504_1159924883402416250_n.jpg?resize=640%2C606)
José Rodrigues se tornou correspondente do jornal O Estado de São Paulo, foi editor da seção Interior em 1976, e permaneceu no jornal até 2006. Antônio Romane deixou Ourinhos no início de 1971, trabalhou na Editora Abril e no Sindicato dos Jornalistas, onde foi diretor cultural e editor do jornal da entidade. Editou ainda O Escritor, publicação da União Brasileira de Escritores.
![](https://i0.wp.com/jornalbiz.com/wp-content/uploads/2018/08/39274506_1900584290247045_3017405831873298432_n.jpg?resize=640%2C461)
É Antônio Romane quem melhor define a experiência de fazer o Tempo de Avanço: “Era uma corrente que não se resumia ao jornal, era como que uma confraria cultural; teatro, cinema e amores iam de par”.
Para produzir essa matéria a equipe do Jornal Biz pesquisou em: “1968 – O ano de não terminou”, de Zuenir Ventura; Coleção do jornal “Tempo de Avanço”, disponível em www.tertuliana.com.br/docs, além do site do jornal Metrópoles: https://www.metropoles.com/entretenimento/literatura/zuenir-ventura-1968-e-um-personagem-que-teima-em-sair-de-cena. O Jornal Biz entrevistou José Rodrigues e Antônio Romane.
Imagens: Acervo de Antonio Romane, redes sociais.
ESTEJA SEMPRE BEM INFORMADO! Envie uma mensagem do seu WhatsApp para (14)99888-6911, com nome+bairro+cidade e receba em primeira mão as notícias de Ourinhos e região.
CURTA O JORNAL BIZ NO FACEBOOK
Instagram @JornalBiz
Twitter @jornal_biz
Inscreva-se no canal Jornal Biz no Youtube