E aos convidados, que milhares são,
eu sirvo sem favor minha riqueza,
na mesa farta de uma exposição.
Feira de mim, que de outra é sempre ensaio,
pois se repetirá com realeza,
anualmente, assim, no mês de maio
No mês de maio – Luciano Correia da Silva
Há 52 anos Ourinhos realiza a sua Feira Agropecuária e Industrial, a FAPI. O evento está na memória de quem frequentou, nas conversas de família, nas lembranças das roupas compradas especialmente para o evento. As recordações variam. Dos encontros na “escadaria do parque”, das histórias contadas por crianças ansiosas assistindo a transformação de uma mulher em Monga, a mulher gorila, da alegria de brincar no parque, comer maçã do amor ou da sensação de medo ao passar a mão em um animal de grande porte. A FAPI também motivou encontros, e muitos casais se conheceram ali. A memória afetiva está repleta de cheiros, cores e outras sensações que a realização da feira proporcionou a inúmeras gerações.
Como tão bem descreveu o poeta Luciano Correia da Silva nos versos acima, a cidade vivia a FAPI antes mesmo do seu início, e cada edição era como um ensaio antecipado para o próximo ano. A proximidade do evento mobilizava a região e pessoas viajavam muitos quilômetros para visitar a feira. Uma verdadeira multidão tomava conta do espaço, e caso alguém se perdesse, em alguns minutos o sistema de som anunciava a localização do desgarrado. O locutor também emprestava sua voz para transmitir recadinhos apaixonados.
Muito além dessas recordações, a FAPI foi lugar de se fazer negócios, comprar e vender animais ou equipamentos. Se para o grande público os imensos tratores e máquinas agrícolas eram motivo de curiosidade, para outros era a possibilidade de realizar um bom investimento. Resultado do amor e do trabalho de centenas de pessoas que se empenharam na sua realização, a FAPI ocupa um espaço privilegiado na história da cidade.
A primeira edição aconteceu de 15 a 21 de maio de 1967, no Ginásio Monstrinho. O evento teve grande repercussão, e o Jornal O Estado de São Paulo dedicou uma página para sua divulgação. Mas a semente havia sido plantada um ano antes. Uma ata da Associação Comercial de Ourinhos registra reunião realizada no dia 22 de julho de 1966, em que o assunto foi discutido. Naquela ocasião, o engenheiro agrônomo Dr. José Caetano Sobrinho “fez uma longa explanação do plano em execução para realizar em dezembro a primeira exposição agroindustrial de Ourinhos”. Foi dele a responsabilidade de dirigir a primeira edição do evento.
No início a agricultura foi o forte da feira; a presença de animais expostos e a realização de leilões e concursos ganharam força a partir de 1970. Naquela época o trabalho agrícola dos imigrantes japoneses em Ourinhos se destacava, e a participação da colônia foi decisiva.
Cerca de 150 japoneses participavam, e eram oferecidos prêmios (medalhas, broches) para o agricultor que se destacava pela qualidade dos produtos. Fernando Nagae foi um desses expositores, e na entrevista publicada no livro Um olhar sobre a presença japonesa em Ourinhos, de Marco Aurélio Gomes e Neusa Fleury, ele conta: “Tínhamos o interesse apenas de fazer uma exposição bonita: essa era a alegria, era o povo ver o que a gente produzia”.
Nos primeiros anos o evento foi realizado pela Prefeitura Municipal, em parceria com diversas entidades ourinhenses. Entre 1972 e 2013, com exceção dos anos de 2002 a 2004, o Sindicato Rural de Ourinhos assumiu a realização da Fapi.
Eduardo Luiz Bicudo Ferraro, conhecido como Brigadeiro, esteve pela primeira vez na cidade, a passeio, quando acontecia a primeira FAPI, em 1967. Durante a terceira edição do evento começou a namorar sua primeira esposa, casou e fincou pé em terras ourinhenses, ajudando a organizar o evento, através do Sindicato Rural por mais de 20 anos. “Fui aprendendo com o Fernando Quagliato, que era apaixonado pela FAPI. A feira cresceu muito graças aos apoios que ele conseguia. Ele tinha credibilidade, as pessoas participavam pela confiança que tinham nele”, lembra Brigadeiro, sem esconder a saudade.
Brigadeiro contou que as negociações para que a área de 10 alqueires onde está instalado o Parque Olavo Ferreira de Sá – de propriedade de Jenny Moraes Ferreira de Sá – fosse doada para a Prefeitura foram intermediadas por Fernando Quagliato e Roberto Constante. “Na época estavam fazendo a terraplanagem para construção da Transbrasiliana, a BR 153. O Fernando e o prefeito Mithuo Minami conseguiram que as máquinas fizessem o trabalho de terraplenagem da área onde seria instalada a Feira. Também foi o Fernando quem planejou os espaços, os patamares diferentes…”.
O telefone tocou durante a entrevista que o Jornal Biz fez com Brigadeiro. Alguém queria saber se ele ainda tinha ingressos para determinado show. Apesar de explicar que não está mais envolvido com o evento, seu nome sempre é lembrado quando se fala da FAPI.
A alegria que os japoneses sentiram em mostrar seus produtos nas primeiras edições da feira continuou sendo o sentimento que motivou funcionários do Sindicato Rural a vencer as dificuldades para realizá-la, ano após ano. “Sabemos das dificuldades financeiras da Prefeitura, que dava o recinto e assumia algumas despesas possíveis. Fizemos o evento com diversos prefeitos, com respeito mútuo. Os expositores que vinham em um ano voltavam no seguinte, tínhamos amizade, conhecíamos todos”. Como nas relações familiares, a relação de amizade era comemorada com comida.
“Fazíamos jantares e oferecíamos para os profissionais que trabalhavam no recinto, para os integrantes da imprensa da região, para os amigos parceiros. Chegamos a fornecer 15 mil refeições gratuitas durante o evento”, contou Brigadeiro, relatando o ambiente de cordialidade que foi o segredo do sucesso da FAPI durante tantos anos.
Os shows com artistas famosos começaram a acontecer depois que a FAPI foi transferida para o Parque Olavo Ferreira de Sá, em 1972, e povoam lembranças de quem assistiu. “Em 1987 trouxemos o Roberto Carlos, numa noite de muita chuva. Sempre gostei de dançar. Quando soube que o Ray Connif estava no Brasil, vibrei com a possibilidade de trazer o grupo para um show na FAPI”, o que aconteceu em 1996, contou Brigadeiro.
Com tantas histórias, é impossível não se lembrar de fatos engraçados: “Um ano trouxemos o Fabio Jr. Ele estava no auge. Estava na frente do Sindicato conversando com amigos quando chegou alguém avisando que o Fabio Jr. exigia cravos brancos no camarim. ´Se não tiver cravos brancos ele não canta..´ Pedimos pra ligar nas floriculturas, mas não conseguiram encontrar, não tinha na cidade. Aí chegou alguém e disse que tinha morrido um parente da dona Jenny: ´Foi enterrado ontem, e no velório tinha uns buquês de cravos brancos´. Foram no cemitério buscar e o camarim foi enfeitado”, contou, rindo.
Presidente do Sindicato Rural e da FAPI durante muitos anos, Fernando Quagliato foi responsável pela fase áurea dos leilões e concursos de animais. “Vinha gente do Brasil inteiro. Tínhamos um concurso de quarto de milha que durava três dias, de quinta a domingo. Os bois da raça nelore mais caros do mundo também foram expostos aqui”.
Se tudo na vida muda, a FAPI também tem se transformado, e atualmente o evento é realizado pela Prefeitura Municipal e uma empresa privada. Com o afastamento do Sindicato Rural, hoje não se veem mais as referências agrícolas e pecuárias durante os dez dias da feira.
Nesta 52ª edição, a FAPI oferece entretenimento através dos brinquedos do parque de diversões e shows, além do comércio de variedades. As construções erguidas para abrigar animais aos poucos vão sendo demolidas ou sua função substituída. A presença e parceria das entidades assistenciais ourinhenses que durante anos marcaram presença oferecendo refeições ou lanches também foi rareando. Mas a FAPI continua sendo vitrine para políticos e aspirantes, como sempre foi.
Das antigas versões, restam as memórias de quem viveu ou trabalhou na FAPI. O slogan “A festa da família” ou “Orgulho de nossa gente” tentou exprimir a sensação de pertencimento e união que fez a feira ourinhense ser conhecida em todo o país.
Brigadeiro diz que, apesar das alegrias que viveu organizando a Fapi, a tarefa era muito exaustiva, e sentiu que era a hora de parar: “Perdemos muitos companheiros, gente que se dedicou muito. O Fernando Quagliato, Roberto e Arnaldo Constante…foi ficando muito difícil”, afirma, dizendo que torce para que a FAPI continue acontecendo, e que descubra um novo caminho.
Perguntamos qual legado a FAPI deixa para a cidade. Ele respondeu: “Do jeito que está hoje eu não sei. No nosso tempo o nome de Ourinhos foi divulgado para o mundo todo”.
Para produzir este texto, a equipe do Jornal Biz pesquisou em: Arquivos do Sindicato Rural de Ourinhos, Jornais A Voz do Povo, Diário da Sorocabana e O progresso de Ourinhos, disponíveis em http://www.tertuliana.com.br/docs/acervo, arquivo do Jornal O Estado de São Paulo, “Poemas do vale”, de Luciano Correia da Silva, “Um olhar sobre a presença japonesa em Ourinhos”, de Marco Aurélio Gomes e Neusa Fleury Moraes. A equipe entrevistou Eduardo Luiz Bicudo Ferraro, o “Brigadeiro”.
Imagens: Museu Municipal, Acervo Sindicato Rural, Luiz Carlos Seixas, Bernardo Fellipe Seixas, Abner Tinello, Acervo pessoal de Solange Ribeiro Ferreira, site Tertuliana.
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