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por Bernardo Fellipe Seixas | Jornal Biz
Uma casa de muro baixo e pintada recentemente está em festa na Vila Musa. Ali vive uma das moradoras mais conhecidas do bairro, dona Paulina Nogueira, que acaba completar 100 anos. Rodeada pelas filhas, a ilustre aniversariante recebeu a equipe do Jornal Biz com um café da tarde, com direito a um delicioso bolo de laranja.
Filha de pais italianos que vieram para o Brasil no início do século passado para trabalhar nas lavouras de café na região de Bariri, dona Paulina mantém viva a memória dos tempos de infância, do trabalho duro e da vida numa cidade completamente diferente: “Ourinhos ia até a sorveteria Pinguim. Pra baixo era a zona da mulherada. A cidade é tão grande agora, mas antes era só fazenda de café”.
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A família foi pioneira na exploração do barro para a produção de telhas em Ourinhos: “Meu pai achou que os filhos dele não eram de roça, e mudamos para cá quando eu tinha 12 ou 13 anos”. E foi na olaria do pai que a menina descobriu logo cedo o que era o trabalho pesado, quando a produção ainda estava distante da mecanização: “Eu fazia de tudo na olaria, trabalhava no carrinho, lançava telha, era um serviço pesado. Eu era um homem na olaria”. Paulina diz que o pai era um italiano bravo, que devia ser respeitado: “A vida no meu tempo era difícil”.
A menina que calçou o primeiro sapato aos 13 anos aprendeu a ler e escrever com duas professoras, Maria e Conceição. Mas foi principalmente no trabalho que ela adquiriu seu aprendizado para a vida: “Minha escola foi a olaria”. Ela se lembra quando o pai comprava uma peça de tecido que seria usado para fazer os vestidos das meninas: “Tinha que ter manga, ser bem comprido e sem decote”. Todas usavam o mesmo tecido:
“A gente saía e parecia uma galinhada carijó, tudo igual! Se sobrasse pano fazia uma camisa pro meu pai e outra pro meu irmãozinho”.
Apesar das dificuldades enfrentadas na infância, ela guarda boas recordações daqueles tempos: “Eu era feliz, cantava e assobiava o dia todo, parecia um moleque. Eu não tinha tristeza”.
Buscando um barro de melhor qualidade, eles foram trabalhar em outra olaria que estava desativada, e que pertencia ao futuro marido: “Casei com o patrão”, diz sorrindo. O namoro com Zico durou pouco tempo e a menina que mal havia completado 17 anos casou com o ‘patrão’ que já estava com 36. Sobre o namoro naquele tempo, dona Paulina diz com bom humor: “Era só de noite, um pouquinho. Se fosse que nem hoje, eu teria namorado mais!”.
Naquela época a água era retirada de poços que existiam naquela região da cidade e servia também para lavar roupas: “Eu me jogava lá dentro da mina, no meio das pedras. A mina era um quilometro pra baixo da cerâmica”. Dona Paulina se lembra da época em que os poços secaram, na década de 1960. Na ocasião, seu Zico contratou um ‘poceiro’ para abrir outro poço: “Saiu um monte de água, mas aí já tinha chegado a água encanada”.
Dona Paulina teve seis filhos, cinco mulheres e um homem. Com exceção da filha Lurdes, todos nasceram com a ajuda de uma parteira que morava em uma fazenda de café próxima da olaria. As caçulas são gêmeas, mas como ela não sabia, só havia preparado roupa para um nenê. Quem ajudou foi a filha mais velha, que já sabia costurar e confeccionou rapidamente mais roupinhas de bebê. Ela se lembra de como caprichava nas roupas das meninas:
“Minhas filhas usavam saia pregueada. Eu alinhavava pra passar, ficava pequenininha. Quando vestia, eu puxava o alinhavo e a saia abria. E tinha o laço engomado no cabelo, minhas filhas iam lindas para a escola”.
Ela viveu 50 anos com o marido, que morreu de câncer. Paulina diz que os homens antigamente eram diferentes e não tinha “isso de lavar louça”. Quando ele discutia por algum motivo ela tinha seu jeito de contornar a situação: “Eu deixava ele falar até cansar, no outro dia eu dava o troco”. Sobre o casamento ela dá sua receita, sempre com bom humor: “Pra viver bem não pode brigar! Meu marido foi bom. Ah, se não fosse…”.
Como toda boa dona de casa daqueles tempos, dona Paulina tinha muita habilidade na cozinha. Além de bolos para casamentos e balas de coco – que hoje são feitas pelas filhas – ela gostava muito de fazer macarrão: “Eu era pau pra toda obra!”. E era mesmo, quando algum morador da vila adoecia, também aplicava as doloridas injeções de penicilina. Ela se recorda também de um parto que teve de ajudar, quando o nenem foi tirada “com o ferro”. Embora ela tenha ficado com muito medo, tudo correu bem e a criança nasceu perfeita: “E ainda ganhei o nenê para batizar”.
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Hoje ela diz ter saudade principalmente das coisas que fazia com as amigas, como cozinhar e trabalhar junto com outras pessoas: “A mulherada daqui foi morrendo, a gente fazia tudo junto, tinha as colegas…”. Ela se emociona quando fala da vontade de cantar na igreja: “Não tenho mais voz, nem força pra isso”.
Dona Paulina conta que trabalhou por 30 anos lavando e passando as toalhas de linho da igreja de Santo Antônio, na Vila Odilon, e da capela da Vila Musa: “Eu não deixava outra pessoa fazer. Era bom demais! Eu vivi muita coisa boa. É bom trabalhar com outras pessoas”.
Ela conta um episódio que aconteceu em um domingo de ramos, quando saiu de casa para arrumar a capela levando a toalha, e tropeçou em um buraco na calçada: “Fiz igual bêbado, que cai mas não solta o litro de pinga. Fui de cara no chão, machuquei o nariz, o braço, mas não larguei a toalha”.
Para comemorar os 100 anos Dona Paulina mandou rezar uma missa de ação de graças na capela da Vila Musa. A festa foi numa chácara e reuniu toda a família: “Foi aquele mundo de gente, uma beleza. Tudo me agradou e fiquei muito contente”. Sentada no sofá da casa onde mora há 73 anos, ela revela com sabedoria: “Meu aniversário foi no dia 6 de junho, a vida é boa e não sou triste. Tristeza pra quê?”.
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