Um tapinha não dói?
Acho no mínimo curioso quando leio poucos posts, (porque aprendi a técnica do “passar reto” – não ler e/ou ver muitas coisas, algo que precisamos desenvolver também nos dias de hoje em prol da preservação de saúde mental) fazendo referência às pessoas com comportamentos que se desviam das normas sociais, como falta de apanhar.
Interessante porque lidei com adolescentes em conflito com a lei durante cinco anos e eu estou tentando me recordar de algum que não tivesse apanhado.
Lembro-me, por sinal, de variações nas formas de apanhar, e na intensidade com que sofriam seus abusos físicos e/ou psicológicos. Uns com marcas apenas superficiais, outros com marcas intensas.
Perdi o número de vezes em que as mães me diziam: Jaqueline, se eu bato já é assim, imagina se não apanhasse. Trágico raciocínio formado obviamente por suas vivências muito parecidas, quiçá, piores.
Porém, tenho notado muitas pessoas que tiveram possibilidade de estudos e grandes oportunidades para desenvolver raciocínio lógico, inteligência, mas que continuam a bater na “tecla” de que é “falta de apanhar”.
Eu fico fazendo indagações sobre as incoerências:
O ser humano é tão complexo, que como pode alguém pensar que bater (algo tão “simples”) seja a resolução para os males que permeiam por aí? Ou seja, que violência resolva a violência.
É difícil perceber que é justamente a educação com tanto “apanhar” que tenha gerado tanto caos? “Apanhar” em suas formas variadas: agredindo fisicamente, psicologicamente, não estando presente, liberando tudo, sendo omisso, dando tudo de maneira gratuita, acobertando os atos insanos, impedindo de sofrer consequências naturais da vida, superprotegendo, vitimizando, “amando” excessivamente.
Recordo-me de uma cena em que eu tentava dialogar com a mãe de uma adolescente sobre a postura dela de bater tanto na filha, a menina que por sinal, com pouca história de vida, já se somavam vários furtos e também prostituição; A mãe me fitou nos olhos e muito enfaticamente me disse: Jaqueline olha pra mim, eu apanhei a vida inteira e estou aqui INTEIRA, e é por isso que estou aqui, ela precisa apanhar também.
Essa mãe cuja fala dizia-se inteira, não tinha a menor noção de que seu corpo, seus gestos, seu modo de agir, mostrava o quão de pedaços ela se fazia.
O buraco é mais profundo.
Falta muita coisa mesmo! Falta consciência, falta estudo, falta modificação de crenças, falta educação decente, falta afeto, tato, diálogo, carinho, limites, regras, presença.
Falta tanto, mas não, não me venha falar que falta “surra”!
Jaqueline Peres Rubio é Psicóloga e especialista em terapia comportamental.
https://www.facebook.com/jaque.prubio