
por Bernardo Fellipe Seixas
Apesar de ações pontuais, administração enfrenta desgaste com excesso de exonerações, falta de articulação política e discurso distante da prática.
Cem dias. Tempo suficiente para atravessar o Oceano Atlântico – do Brasil a África – em um barco a remo, como provou Amyr Klink. Ou naufragar no raso da própria vaidade. Em Ourinhos, o governo Guilherme Gonçalves (Podemos) completou a marca simbólica com um vídeo institucional distribuído pela prefeitura, exaltando ações e intenções da nova gestão. Teve de tudo: ecobarreira no ribeirão das Furnas, promessa de UBS, campanha contra a dengue, entrega de uniforme para alunos, assinatura de parcerias e… silêncio sobre alguns reais problemas enfrentados nos corredores do poder.

O conteúdo, compartilhado com entusiasmo por cargos comissionados — aqueles que não sabem se estão chegando ou indo embora — tenta pintar um retrato de firmeza administrativa. Mas a moldura é trincada. Seis secretários pediram para deixar o barco nos primeiros meses. As edições do Diário Oficial viraram novela: exonerações, nomeações, erratas, trocas, readaptações e apostas. E, claro, tudo regado a postagens do próprio prefeito nas redes sociais, sempre com um tom messiânico ou ameaçador. Guilherme chegou a escrever, com 16 dias de mandato, que quem não mostrasse resultado seria exonerado, como se a administração pública fosse reality show.

Há avanços? Sim. A farmácia da UPA foi implementada, o horário de funcionamento de Unidades Básicas de Saúde (UBS) foi ampliado e uma ecobarreira surgiu no córrego das Furnas, lembrando que cuidar da cidade também é evitar que o lixo vá parar onde não devia. Mas boa parte do que foi mostrado no vídeo de 100 dias tem assinatura da gestão passada. A posse do CSU por 30 anos, as três ambulâncias doadas pelo governo federal e a reforma do Centro Cultural, por exemplo, são entregas herdadas, não conquistas originais.
Ainda mais espinhosa é a falta de coerência com o discurso de campanha. Guilherme criticou a presença de “forasteiros” na gestão de Lucas Pocay. Mas quem ocupou a poderosa Secretaria de Governo, até a semana passada, foi um ex-vereador de Ferraz de Vasconcelos — cidade a mais de 400 km da Praça Mello Peixoto. Também há nomeações de Santa Cruz do Rio Pardo, Bauru e Grande São Paulo. Para quem prometeu prestigiar os filhos da terra, a prática virou gafe protocolar.
Na Câmara Municipal, o prefeito ainda não encontrou quem lhe faça sombra — nem proteção. Projetos enviados fora do prazo, sem articulação prévia, não foram sequer pautados. Os únicos a elogiá-lo com entusiasmo foram dois parlamentares ligados à antiga base governista de Lucas Pocay. E ninguém, até o momento, teve coragem de se assumir como governo ou oposição. A política local, como já dizia um saudoso vereador do Jardim Europa, anda “em cima do muro e com medo de vento forte”.
As ações que mais ganharam repercussão foram, curiosamente, as que não saíram do papel. Guilherme cancelou o carnaval dizendo que usaria os recursos em cirurgias e compra de novos aparelhos de raio-x. Mas não divulgou valores, nem quantas cirurgias foram feitas ou aparelhos de raio-x comprados. Prometeu reduzir o próprio salário — mas esqueceu de combinar com a Câmara, única capaz de propor esse tipo de mudança (e só para o mandato seguinte). Virou, mais uma vez, munição para quem vê no prefeito mais teatro que execução.
Em resumo, o governo Guilherme Gonçalves ainda navega em busca de identidade. Tem boas intenções, mas escorrega em vaidades, falhas de gestão e incoerência política. O discurso de renovação começa a soar como eco da velha política. E o povo — esse sim dono da cidade — já começa a olhar com desconfiança. Porque uma cidade não se governa com post no Instagram. Governa-se com ação, humildade e coragem para corrigir o rumo.
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