
por Bernardo Fellipe Seixas
O mesmo Guilherme Gonçalves que cobrava transparência agora prorroga, sem licitação, o contrato que questionava como vereador
A Prefeitura de Ourinhos renovou por mais 12 meses o polêmico contrato com a Associação Beneficente de Desenvolvimento Social e Cultural (Abedesc), que custará R$ 35,9 milhões aos cofres públicos. O termo de aditamento foi assinado em 30 de junho pelo prefeito Guilherme Gonçalves (Podemos), que, durante a campanha eleitoral, prometia valorizar concursos públicos e criticava a falta de transparência, terceirizações e contratações sem licitação da gestão anterior.

Apesar do nome “Desenvolvimento Social e Cultural”, a Abedesc atua na área da Saúde. A renovação foi feita sem licitação, por meio de dispensa de chamamento público — o mesmo mecanismo utilizado para a contratação original. O valor mensal, que era de R$ 3,01 milhões, passa para R$ 2,99 milhões — uma redução de apenas 0,69%.
O crítico agora é gestor
A principal contradição do caso está no histórico do próprio prefeito Guilherme Gonçalves. Quando vereador (2021–2024), ele criticava com veemência a falta de transparência envolvendo o contrato com a Abedesc. Em 26 de fevereiro de 2024, declarou em plenário:
“A população que tá pagando tem que saber o que, quem e quanto tá pagando. Porque precisa ter transparência em todas as ações da administração pública.”
Agora, como prefeito, Guilherme mantém o mesmo modelo de contrato que questionava no cargo anterior — e sem apresentar à população os detalhes da operação.
O atual secretário da Chefia de Gabinete, Roberto Tasca, vive situação semelhante. Quando era vereador, protocolou dois requerimentos pedindo informações sobre o contrato da Abedesc, questionando quem eram os contratados, quais suas funções e qual a capacidade técnica apresentada. Agora no comando do gabinete, poderia ajudar a esclarecer essas dúvidas.
Da emergência à rotina: um contrato turbinado
A chegada da Abedesc a Ourinhos ocorreu ainda na gestão do ex-prefeito Lucas Pocay (2017–2024), por meio de contratação emergencial. A primeira dispensa de chamamento público (nº 50/2024) vigorou de 3 de janeiro a 1º de julho de 2024, custando R$ 9,04 milhões — média de R$ 1,42 milhão por mês.
Com a renovação assinada por Guilherme, o valor mensal mais que dobrou em comparação ao inicial, atingindo R$ 2,99 milhões. No total, somando os dois contratos, a Abedesc receberá R$ 44,9 milhões em recursos públicos municipais em menos de dois anos.
A organização é responsável pelo gerenciamento de profissionais em praticamente toda a rede de saúde pública da cidade: Atenção Primária, Ambulatório de Especialidades, CAPS II, CAPS AD, CAPS i, Residência Terapêutica, Serviço de Atendimento Domiciliar e Centro de Reabilitação. Segundo fontes dos bastidores a entidade empregaria mais de 300 funcionários terceirizados, muitos indicados por vereadores e pelo próprio prefeito.
Requerimentos ignorados
A falta de informações detalhadas sobre o contrato já vinha sendo denunciada por parlamentares há mais de um ano. Em maio de 2024, a então vereadora Roberta Stopa (PSOL) alertou:
“Está acontecendo uma terceirização da saúde, especificamente na contratação de trabalhadores para atender a área fim da saúde.”
Em março deste ano o vereador Vadinho (Podemos) apresentou o Requerimento de Informações nº 583/2025, pedindo cópia integral do contrato, datas de início dos serviços, nomes dos contratados ano a ano, valores pagos a cada colaborador e suas funções. Vadinho ainda não recebeu resposta.
Dois meses depois, em maio, foi a vez do vereador Kita (MDB) apresentar o Requerimento nº 832/2025, solicitando a prestação de contas da Abedesc nos últimos 12 meses. O documento foi aprovado em plenário. Kita também requisitou a relação de todos os contratados, controle de ponto e certificados de escolaridade para ocupação dos cargos. Até o momento o vereador não obteve retorno da Prefeitura, e poderá reiterar sua reivindicação.
Em pronunciamento público, Vadinho — que é do mesmo partido de Guilherme Gonçalves — demonstrou insatisfação com secretários municipais da atual gestão: “Não nos tratem como inimigos, pelo menos respondam nossos requerimentos. Nós caminhamos juntos numa eleição, nós nos tratávamos como do mesmo lado, e eu estou vendo alguma coisa caminhar diferente”.
Promessas quebradas
Durante a campanha eleitoral, Guilherme Gonçalves prometia valorizar os concursos públicos e os servidores efetivos. Porém, entre cargos comissionados, funções de confiança e nomeações em empresas terceirizadas, estima-se que a atual gestão já tenha ultrapassado em muito a marca de mil pessoas indicadas politicamente.
Guilherme também se comprometeu a pôr fim aos “contratos milionários feitos às pressas, com empresas de fora e desconhecidas”. No entanto, sua gestão ampliou o modelo de terceirização, reproduzindo exatamente a lógica que criticava na administração anterior.
Milhões investidos, pouco retorno
Apesar dos milhões pagos à Abedesc — além de emendas parlamentares que chegam aos cofres da Secretaria Municipal de Saúde — os resultados nessa área seguem aquém das expectativas. Em seis meses de governo, a administração de Guilherme Gonçalves pouco ou nada fez para reduzir a fila de 5.300 pessoas à espera de cirurgias eletivas. A expectativa pela realização de exames de imagem também é longa.
Em janeiro, o prefeito prometeu 20 novos leitos na Santa Casa, mas até agora o anúncio não saiu do papel.
Fiscalização necessária
O caso da Abedesc escancara como a dispensa de licitação e a falta de transparência seguem sendo pontos cegos da gestão pública. Cabe à Câmara, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas romperem o silêncio institucional e apurarem com rigor não apenas a renovação, mas também o contrato original firmado em 2024, que deu origem a essa parceria milionária sem concorrência pública.
O que há hoje é um pacto de R$ 36 milhões, com pouca transparência, muito apadrinhamento e nenhuma prestação de contas clara à população.
Com informações do Diário Oficial do Município e documentos públicos.
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