Professor Adolar: um militante do esporte e da política

É quase impossível parar na banca de frutas e verduras do Adolar e não engatar uma boa conversa sobre a política brasileira. Com seu jeitão despojado e um discurso afiado, ele encara qualquer discussão com a experiência de quem sempre esteve à frente de greves e mobilizações de professores.

Augusto, filho de Adolar, atende clientes na banca da rua Pará, 778.

Reconhecido pelos companheiros de militância da Apeoesp, o Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo, Adolar não desfruta da mesma simpatia entre os dirigentes de ensino, com quem já travou batalhas nada amigáveis. E pagou caro por suas posições.

Adolar José Raimundo tem 59 anos e se aposentou recentemente. Ele nasceu na cidade de Paranavaí, no estado do Paraná, e viveu até os 8 anos em um sítio, onde ia com o irmão buscar frango e ovos para vender na feira: “Eu vendia um doce de banana de cortar, era escuro, uma delícia. Tinha uma vontade de ter aquela receita, era feito no tacho…”. Filho de um motorista de caminhão e de uma dona de casa, aos 13 anos aprendeu o ofício da marcenaria, atividade que exerceu durante dez anos. “Eu tinha saído da escola, queria só trabalhar como marceneiro. Fazia com muito capricho, sou muito perfeccionista. Demorava pra fazer, mas ficava bom e agradava”, conta. Adolar morou também em Bernardino de Campos, onde se casou. Embora tenha abandonado a profissão de marceneiro em decorrência dos problemas de saúde causados pela poeira e pela tinta, foi com o dinheiro desse trabalho que pagou sua faculdade.

“Fiz vestibular em Jacarezinho e não passei porque eu não sabia nadar”.

Adolar diz que nunca planejou muita coisa em sua vida, incluindo aí a decisão de cursar Educação Física: “Fiz vestibular em Jacarezinho e não passei porque eu não sabia nadar. A gente que tem poucos recursos também não tem muita escolha, fiz o que parecia possível. As coisas pra mim aconteceram assim”. Mas a decisão estava tomada, e Adolar acabou cursando a faculdade na cidade de Avaré. Ele guarda algumas recordações daquele tempo de estudante: Acho que em Avaré tive uma boa base prática, aprendi a dar aula. Depois de formado, sua intenção era morar no Mato Grosso, mas acabou assumindo algumas aulas em Bernardino de Campos, onde ficou até 1989, quando veio para Ourinhos.

Questionado sobre os tempos atuais, quando se nota certo revisionismo histórico que tenta amenizar os efeitos da ditadura militar no Brasil, Adolar recupera um pouco de sua própria história e de como se deu a sua formação política: “Eu não percebi a ditadura militar. Morava no sítio, ficava longe dessas notícias”. Mesmo quando fez parte do grêmio estudantil a política nunca era o assunto das reuniões:

“Minha família não participava de política, são conservadores. Quando estava na faculdade eu ainda era um alienado”.

Manifestação de professores na praça Mello Peixoto, no ano de 2015. | Foto: Luiz Carlos Knippel Galletta

Foi no envolvimento com a militância, participando do sindicato e das greves, que Adolar foi construindo sua consciência política. Minha primeira greve foi no governo do Franco Montoro, acho que em 1987. Os tempos eram outros e não havia internet e redes sociais para facilitar a comunicação e mobilizar pessoas. Conseguíamos uma mobilização fazendo panfletos no mimeógrafo. Fazíamos vaquinha pra tudo, era uma militância que sabia o que queria, recorda. Ele compara aquele momento com os dias atuais, quando a apatia e o desinteresse pela política deixam o espaço livre para o retrocesso. Hoje parece que as pessoas não querem a informação, diz ele.

“Enterro da educação”; protesto no Calçadão da rua Paraná. | Foto: Marcos Correa

Adolar se lembra de um episódio que aconteceu durante uma reunião de professores, no período que antecedeu a última eleição. Em uma das manifestações ocorridas na Avenida Paulista, na capital, um rapaz havia sido agredido apenas porque vestia uma camiseta vermelha: “Éramos uns 30 professores em uma reunião escolar e sugeri que a conversa fosse sobre democracia, e ouvi: “Política não!”. Após a votação, só eu e mais dois estávamos dispostos a conversar sobre o assunto”. Ele admite que excluiu diversos colegas do Facebook que compartilhavam a campanha agressiva do então candidato Jair Bolsonaro: Não querem discutir política, mas querem decidir uma eleição, sem base!”.

Equipe de futsal do Caló exibe faixa da Apeoesp após se sagrar campeã. | Foto: arquivo pessoal

Embora não seja mais filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), organização do qual foi um dos fundadores em Ourinhos, Adolar diz que nas conversas com “bolsominions”, como ficaram conhecidos os apoiadores de Bolsonaro, ele sempre é rotulado de petista: “Eles não querem discutir política, e como eu falo, dizem que sou arrogante”. Para ele, esse posicionamento cria barreiras e inviabiliza a discussão. Apesar de reconhecer que os governos petistas deixaram de fazer muitas coisas, ele afirma que “o PT fez uma revolução no país”.

Adolar defende a liberdade para o ex-presidente Lula: “Sei o que ele fez pelo país”.

No muro ao lado da banca onde vende seus produtos, o slogan “Lula Livre” foi pintado em letras grandes e vermelhas. Preso em Curitiba, após julgamento questionado por juristas do Brasil e do exterior, o ex-presidente Lula é defendido com vigor por Adolar: “Eu brigo por política, brigo sim. Defendo e sei o que estou defendendo. Não sou um besta que fica atrás de Rede Globo ou WhatsApp. Quando eu defendo o Lula, eu sei por que defendo. Eu li o processo, a sentença, e sei o que ele fez pelo país.”

Por seus posicionamentos e pela maneira incisiva com que defende suas ideias, Adolar passou por sérios dissabores, e não poupa críticas aos colegas que se acomodaram na rotina do ambiente escolar: Fui muito perseguido por defender minhas posições e respondi a três processos administrativos no Estado. Queriam que eu perdesse o cargo. Tem muito professor negligente, que não faz nada. Esses não incomodam ninguém. Eu vivi peitando dirigente. Como não gosta de seguir receitas, Adolar teve problemas também quando recebeu uma espécie de guia orientando como deveriam ser as aulas: “Eu falei que não ia seguir, e não gostaram. Tem professor que finge que faz pra não criar caso. Levei 5 dias de gancho.”

Adolar com alunos em evento esportivo em São Paulo. | Foto: arquivo pessoal

Ele se diverte ao lembrar de um processo que respondeu por chamar outro professor de “bosta”. O colega não permitiu que um de seus alunos participasse de uma competição pela simples falta de um documento pessoal. Esse episódio revela outro aspecto do trabalho de Adolar: a formação de atletas. Não me contento apenas em dar aulas de educação física, é maçante pra mim e pra eles. A educação física é também pra motivar, revelar talentos. Adolar chegou a criar um projeto envolvendo todas as classes e professores de outras disciplinas. Durante o campeonato, que durava o ano todo, as salas somavam pontos.

O ourinhense Daniel no lugar mais alto do pódio, em evento no Estádio do Ibirapuera, na capital. | Foto: arquivo pessoal

Muitas equipes e alunos treinados por Adolar se destacaram em competições estaduais e nacionais. Ele se recorda especialmente de um desses jovens atletas, e de como essa história  teve um final trágico. Daniel Henrique Ferreira, aluno na EE Domingos Camerlingo Caló, era alto e logo mostrou habilidade para o salto em altura. “Ele era grandão, não tinha brincado na rua, não jogava futebol e tinha alguma dificuldade motora”, explica Adolar. Mas o garoto era alto, o que já era uma vantagem para a modalidade, e com 13 anos ficou em terceiro lugar no campeonato estadual. No ano seguinte, com 1,90m de altura, conquistou o primeiro lugar na mesma competição.

“Já era um grande campeão”, diz Adolar sobre o aluno Daniel.

O resultado habilitou o atleta a participar do campeonato brasileiro em Londrina, onde conquistou a medalha de bronze. O destino interrompeu a trajetória de Daniel. Num passeio com a namorada, o jovem atleta acabou se afogando no rio Paranapanema.

Adolar sabe que é função do professor trabalhar com todos, ensinar as modalidades esportivas, mas reconhece também que é preciso identificar os talentos, treiná-los e dar oportunidade para o seu desenvolvimento: “Já treinei diversos campeões e tenho muita experiência. Meus alunos disputaram de igual para igual com grandes atletas”.

Equipe de futsal de Ourinhos. | Foto: arquivo pessoal

Com tantos anos dedicados à educação, ele sabe que sempre existiu certo menosprezo por disciplinas como educação física, e vai além: “Hoje piorou, não é só a educação física que ficou desvalorizada, todo o resto também”.

Mesmo aposentado, Adolar ainda quer dar aulas e treinar novos atletas. Mas reconhece as dificuldades quando se trata do serviço público: “Se apresento um projeto para a prefeitura, querem que eu vá conversar no gabinete. Quero apresentar a minha proposta de trabalho, não faço campanha política. Minha consciência eu não vendo”.

Um pouco daquele menino que passou a infância no sítio sobrevive hoje no avô que cuida das frutas, verduras e legumes vendidos em sua banca. Mas que não se enganem os mais desavisados: quando o assunto é política, Adolar está sempre pronto para mais uma discussão.

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