
por Bernardo Fellipe Seixas
Ação aponta tentativa de burlar concurso público e favorecimento à ABEDESC em contrato sem licitação
O Ministério Público do Estado de São Paulo protocolou na última segunda-feira (7) uma ação civil pública por improbidade administrativa contra o ex-prefeito de Ourinhos Lucas Pocay Alves da Silva (PSD) e o atual chefe do Executivo, Guilherme Andrew Gonçalves da Silva (Podemos). A denúncia, assinada pelos promotores Paula Bond Peixoto e Adelino Lorenzetti Neto, aponta um possível esquema milionário para burlar concurso público e favorecer a ABEDESC (Associação Beneficente de Desenvolvimento Social e Cultural).
Em contato telefônico com o promotor de Justiça da área da Saúde Pública, Adelino Lorenzetti Neto, ele afirmou que o objetivo inicial da ação é interromper as contratações terceirizadas e garantir a nomeação imediata dos candidatos aprovados no concurso público. “Se tem pessoas concursadas, não faz sentido manter terceirizados”, declarou.


Como o concurso foi esvaziado e a terceirização avançou
O enredo começou em junho de 2024. No dia 21, Lucas Pocay homologou o Concurso Público 01/2024, que previa a contratação de profissionais da área da saúde. Dez dias depois, em 1º de julho, o então prefeito assinou um contrato de R$ 36,2 milhões com a ABEDESC, para suprir as mesmas funções previstas no concurso.
A manobra foi sutil, mas eficaz. Enquanto o concurso previa cargos como “Técnico Municipal de Nível Superior ESF-II – Cirurgião Dentista”, o contrato com a entidade privada usava descrições genéricas, como “dentistas”. Um artifício semântico que, segundo o Ministério Público, teve como objetivo burlar a regra constitucional do concurso público.
A gestão que prometia mudança… e manteve tudo
Com a troca de prefeito em janeiro de 2025, a população de Ourinhos esperava que a nova administração corrigisse o desvio. No entanto, Guilherme Gonçalves não apenas deu sequência ao modelo, como o aprofundou. Em 4 de julho, sem licitação, o atual prefeito estendeu o contrato por mais 12 meses, no valor de R$35,9 milhões, como revelou o Jornal Biz em reportagem publicada na segunda-feira (7).
Números que gritam
Segundo o Portal da Transparência, há centenas de vagas não preenchidas para cargos públicos da saúde em Ourinhos:
- 55 postos para cirurgiões-dentistas
- 239 vagas para médicos de diversas especialidades
- 12 cargos para fisioterapeutas
Enquanto isso, a ABEDESC poderá receber mais de R$ 70 milhões dos cofres municipais em menos de dois anos, se o contrato for mantido. Fontes internas apontam que a entidade mantém cerca de 300 funcionários terceirizados em Ourinhos, muitos deles indicados por vereadores e integrantes do Executivo.
A justificativa oficial: vedação eleitoral?
Questionado pelo MP sobre o motivo de não convocar os aprovados no concurso, o ex-prefeito Lucas Pocay alegou impedimento devido ao período de restrição eleitoral. Os promotores refutaram esse argumento: a homologação ocorreu antes do início do prazo de vedação, o que tornaria legal a nomeação. “Se a Prefeitura pôde terceirizar os serviços na data em questão, com mais razão poderia nomear diretamente os concursados”, argumenta o Ministério Público.
O enquadramento jurídico
A ação civil pública baseia-se no artigo 10, inciso VIII, da Lei de Improbidade Administrativa. Os promotores afirmam que houve uma “ação dolosamente orquestrada para fraudar a Constituição e lesar o patrimônio público”.
As sanções pedidas à Justiça incluem:
- Declaração de nulidade absoluta do contrato com a ABEDESC
- Ressarcimento integral dos R$ 36,2 milhões pagos
- Suspensão dos direitos políticos dos réus por até 12 anos
- Proibição de contratar com o poder público
Um teste para a Justiça e para os vereadores
O caso extrapola os limites de Ourinhos. Em tempos de terceirização desenfreada, o processo é um alerta: não se pode normalizar a substituição de concursos por terceirizações emergenciais, ainda mais em contratos sem licitação.
A mais recente renovação contratual, revelada anteontem pelo Jornal Biz, amplia a gravidade da situação. Enquanto o MP move ação por R$ 36,2 milhões, o prefeito assina novo compromisso de quase o mesmo valor — sem qualquer sinal de recuo.
Lucas Pocay e Guilherme Silva terão de explicar à Justiça por que optaram por pagar milhões de reais a uma entidade privada em vez de nomear servidores concursados.
O Ministério Público fez sua parte. Agora cabe à Justiça — e à Câmara Municipal de Ourinhos — decidir se essa conta ficará apenas com o contribuinte. Ou será que os vereadores vão fingir que não viram nada?
Direito à ampla defesa
Após a intimação oficial, os acusados terão 15 dias para apresentar defesa por escrito à Justiça. Embora mantenham intensa atividade diária nas redes sociais, Guilherme Gonçalves e Lucas Pocay não se manifestaram sobre o caso até agora.
O Jornal Biz buscou contato com os acusados, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para manifestação.
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