Nos anos 60 uma série de novos autores brasileiros surgiu pelas mãos de um descendente de imigrantes japoneses. O editor e artista gráfico Massao Ohno foi quem revelou nomes como Hilda Hilst, Roberto Piva, Renata Pallottini, Eunice Arruda, Claudio Willer e tantos outros. Considerado um dos mais importantes editores independentes do país, ele virou tema do documentário Massao Ohno – Poesia Presente, dirigido por Paola Prestes, que será exibido no próximo dia 30, às 19h30, no Bar Conveniência Dom Pedro I, com entrada franca. A iniciativa é resultado de uma parceria entre a Associação de Amigos da Biblioteca Pública (AABiP) e o Jornal Biz.
Dotado de um espírito transgressor, Massao Ohno foi um criador independente e seu interesse por uma nova poética brasileira, aliado a uma concepção gráfica inovadora, o levou a produzir livros que se diferenciavam pela ousadia e criatividade. Foi Massao também quem introduziu o haikai em português no Brasil.
O documentário, realizado por meio de um financiamento coletivo, foi um dos destaques da 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2015. Massao morreu em 2010, e deixou muitas horas de conversas com Paola Prestes e Juliana Kase, codiretora do filme.
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Paola Prestes realizou também os documentários Flávio Rangel – o teatro na palma da mão (2009), que retrata a carreira do diretor teatral morto em 1988, Boleros Paulistas (2008), Iran do Espírito Santo: uma visão geral (2007), A cor do samba é azul (2004), Na cama com King (2002), Ordem e Progresso (2001), Afinal, o que querem as mulheres? (2001), entre outros. Paola coordena também cursos e oficinas de documentário em instituições como o Museu da Imagem e do Som – MIS e o SESC, e criou em 2000 a produtora independente Serena Filmes (http://www.serenafilmes.com.br).
Confira a entrevista que a diretora Paola Prestes concedeu ao site Tertuliana, parceiro do Jornal Biz, onde ela fala da convivência com Massao Ohno, da importância que o documentário ocupa hoje na produção audiovisual, do financiamento coletivo para realizar o filme, e muito mais.
Tertuliana: No filme, Massao é apresentado por autores que ele revelou, e também por ele mesmo. De que forma seu filme contribui para recuperar a importância de Massao Ohno?
Paola: Massao Ohno foi uma pessoa extremamente discreta. Nunca se autopromoveu, nunca correu atrás de reconhecimento público. Teria sido incapaz de “construir uma imagem” dele próprio para se promover ou vender seu trabalho. Por esse motivo, no final da vida, já com problemas de saúde, Massao caiu no ostracismo. O que não quer dizer que tenha parado de trabalhar. Massao foi a descoberta de um artista incrível, vivendo na sombra. O filme, dentro de suas possibilidades, resgata esse personagem singular e conta um pouco do que ele fez. Para mim, as imagens mais importantes são aquelas que o mostram fazendo um boneco: sentado a sua mesa, não precisava mais que um lápis, uma régua ou esquadro, um estilete e um pouco de cola para produzir uma joia da arte gráfica. Isto mostra que o trabalho de um artista nasce da reflexão criativa, de um diálogo interno, e não de um programa de computador. Eu quis dizer às pessoas que esse artista existia e que ele era importante. Mas quis também passar para o público um pouco da minha vivência pessoal com o Massao durante o tempo que gravei quase que diariamente no apartamento dele, junto com a codiretora do filme, a Juliana Kase.
Tertuliana: Como foi realizar um documentário sobre um personagem que pensava o livro, o objeto físico, como uma obra artística, num momento em que se fala do fim do livro impresso?
Paola: Perguntei um dia ao Massao como ele se sentia a respeito dessa desmaterialização do livro. Ele não me pareceu muito abalado com a questão. Ele tinha um olhar muito sereno sobre as coisas, sobre o mundo. Parecia pairar alguns metros acima dos embates que nos afligem e nos desequilibram. Diria que ele não estava tão preocupado com as mudanças tecnológicas quanto com a brutalidade do mundo. Massao nunca pensou em estratégias de marketing ou coisas parecidas, portanto, não devia se sentir particularmente ameaçado pela entrada de livros digitais no mercado, simplesmente porque ele nunca fez parte do mercado. Pelo menos não do mercado como o entendemos hoje, essa canibalização impiedosa de tudo aquilo que não gera lucro. Por outro lado, todos nós sabemos que as vendas do Kindle estão caindo, ao passo que florescem novas pequenas editoras muito parecidas com a Massao Ohno Editor. Veja o caso da Lote 42, do João Varella e Cecilia Arbolave, ou a Patuá, do Eduardo Lacerda. São trabalhos belíssimos, que devem muito ao Massao, e que, tenho certeza, vão perdurar. Estive recentemente em Florença e vi centenas, senão milhares de pinturas renascentistas. Estão lá desde o século XV, XVI. Diante de um comovente tríptico de Piero della Francesca, me perguntei o que irá acontecer com nossas imagens desmaterializadas daqui 500, 600 anos. Provavelmente terão desaparecido, engolidas por um Instagram, um Google, um Youtube ou Vimeo, ou ainda um Facebook que também não existirão mais. Meu documentário em vídeo digital sobre o Massao provavelmente desaparecerá muito antes dos livros que ele fez. Portanto, viva as telas de linho e de madeira, e viva os livros de papel!
Tertuliana: Você acredita que o documentário ocupa hoje um espaço de mais visibilidade?
Paola: Sem dúvida o documentário cresceu muito nos últimos vinte, trinta anos. Sua produção é, em geral, mais viável que a de filmes de ficção. A revolução do vídeo ajudou muito a abrir caminho para o cinema documentário. Ele é mais barato, mais ágil e aceita todo tipo de material bruto, mesmo imagens que não tenham uma grande qualidade, como frequentemente é o caso do material de arquivo.
Com o aumento do interesse e da produção, o documentário passou a contribuir para o audiovisual brasileiro com excelentes realizadores: não seria nenhum exagero dizer que o maior cineasta brasileiro era o Eduardo Coutinho, falecido em 2014. O que foi conquistado pelo documentário não é pouco, mas ainda temos de lutar muito mais que o realizador de ficção para conseguir financiamento e distribuição, principalmente em salas de cinema.
Mas, vamos comendo pelas beiradas, cada dia mais presentes em mostras, festivais, na TV a cabo, no Video On Demand (VOD) e na web. O documentário também dialoga com outras áreas e ultimamente tem um tipo de produção que vai direto para museus e galerias, sem cogitar ir para salas de cinema. É uma questão de saber o que queremos fazer, que tipo de filme, e assumir essa esta escolha. Não precisamos mais ficar atrelados a esse papel que nos foi imposto de primo pobre da ficção.
Tertuliana: O financiamento coletivo é uma opção viável para o realizador ou apenas uma alternativa diante das dificuldades de patrocínio?
Paola: Fizemos um financiamento coletivo e deu certo. Porém, sei que não posso lançar mão desse recurso sempre. As pessoas deixariam de me levar a sério. Meus próprios colegas documentaristas me achariam meio folgada, digamos. Porque fazer um filme pelas vias ditas normais (Ancine, Fundo Setorial do Audiovisual-FSA, captação via leis de renúncia fiscal, editais, etc.) é uma via crúcis duríssima. E todos nós, cineastas, passamos por ela. Excepcionalmente, podemos recorrer a um financiamento coletivo, mas só quando há um bom motivo para isto, não há outra alternativa. No meu caso, já tinha quase todo o material gravado, só precisava de dinheiro para finalizar. O que faltava era pouco e não justificava todo o trâmite oficial de captação. Tinha uma questão de tempo também. O projeto estava se arrastando demais e precisava ser concluído. Mas tem outra coisa importante, sobre a qual pensei ao final da campanha de financiamento coletivo: considerando o Massao, sua frugalidade, seu desprendimento com relação ao dinheiro e bens materiais, entendo hoje que teria sido um contrassenso eu conseguir captar somas vultuosas para contar a história dele. Em outras palavras, teria sido errado eu ganhar dinheiro com o filme. Meu compromisso com o Massao era de outra ordem. Ele sempre trabalhou em um espírito de colaboração e informalidade absolutas. Massao era, na sua essência, extraoficial. Portanto, considero que esse documentário só poderia ter sido feito com pouco dinheiro. No final das contas, o financiamento coletivo adquiriu um sentido, ouso dizer, simbólico.
Tertuliana: Seu filme estreou na Mostra de Cinema de São Paulo, além de sessões em outros espaços culturais. Como é a distribuição ou as possibilidades de exibição de produções independentes?
Paola: Estou no momento negociando o licenciamento do documentário para a televisão. Isto quer dizer que ele não terá sessões comerciais em salas de cinema. Lançamentos comerciais custam dinheiro e não tínhamos como pagar por um, não tínhamos uma distribuidora. Não chego a ficar chateada com isso, pois documentários não costumam fazer muito público em cinema. Paga-se muito para lançar e o retorno é pífio. Por outro lado, o documentário circula muito bem na televisão (cabo, VOD, etc.). Pagam pouquíssimo, mas pagam e assim conseguimos pelo menos amortizar algumas despesas. No caso de MASSAO OHNO – POESIA PRESENTE, há outro obstáculo: não há personagens famosos, ou usando uma palavra horrível, mediatizados (soa como algum procedimento cirúrgico feito por extraterrestres em cérebros humanos), e isto dificulta a venda, ou licenciamento. Uma coisa é você fazer um documentário sobre uma estrela do rock, ou da MPB e convidar o Olimpo da música brasileira para dar depoimento. Outra é fazer um documentário sobre um editor de poesia e convidar poetas para falar. Quase ninguém quer saber de um documentário sem depoentes “mediatizados”. É ridículo, mas é assim. Isto é o Brasil.
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| Serviço |
Exibição do Filme: Massao Ohno – Poesia Presente
Quando: 30/08 – quarta-feira
Onde: Convivência Dom Pedro I (Rua Dom Pedro I, 438)
Horário: 19h30
Entrada Franca
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