Quem mora em Ourinhos já deve ter ouvido falar da “fazenda dos macacos”. Assim é conhecida a Fazenda Lageadinho, localizada no Km 370 da rodovia Raposo Tavares. Os macacos habitam uma pequena área de mata original da fazenda que chegou a ter 600 alqueires e foi uma das maiores produtoras de café da região.
Mas o que poucos sabem é que em 1963 ela foi palco de um movimento grevista que paralisou parte de suas atividades, envolveu políticos ourinhenses e resultou em perseguições e prisões de trabalhadores.
O Brasil vivia o clima das Reformas de Base propostas pelo então presidente João Goulart, que incluíam o Estatuto do Trabalhador Rural, um conjunto de garantias trabalhistas entre as quais a indenização por dispensa injustificada, aviso prévio, salário mínimo, férias e repouso semanal remunerado.
O momento era propício para o surgimento de movimentos grevistas. Eram frequentes as críticas referentes às condições de trabalho dos lavradores e organizações sindicais começaram a ser criadas na região. O movimento da Fazenda Lageadinho ganhou força com o apoio de lideranças comunistas da cidade, como o vereador Álvaro Ribeiro de Moraes, conhecido como Vico. Outro comunista assumido, o Dr. João Bento Vieira da Silva Neto, auxiliava na criação de sindicatos e defendeu diversos envolvidos no movimento que acabaram presos.
Naquela época, dizer que alguém era simpatizante do partido comunista era condenar a pessoa ao isolamento, já que o Partido Comunista Brasileiro sobrevivia na ilegalidade desde 1947 quando teve o registro cassado pelo Superior Tribunal Federal, e seus seguidores eram considerados perigosos ou subversivos.
O período era de insatisfações e as reformas alimentavam ainda mais os desejos de mudança. No caso dos trabalhadores rurais, a necessidade de registrar em carteira todos os trabalhadores de ambos os sexos com mais de quatorze anos iria provocar diversas mudanças na relação patrão-empregado, e muitas propriedades tiveram dificuldades nessa transição.
A antiga fazenda de café abrigava quase 200 famílias que moravam nas colônias, e era comum que todos os membros trabalhassem na lavoura. A revolta teve início quando alguns trabalhadores que recebiam diárias foram transferidos para outra lavoura como empreitada. Eles reclamaram que teriam prejuízo, já que a lavoura não estava em condições de render o mesmo valor que recebiam. Os trabalhadores conseguiram o que queriam, mas começaram a ser perseguidos, e resolveram entrar em greve. Cerca de 130 trabalhadores e suas famílias aderiram ao movimento.
Em entrevista ao jornal Diário da Sorocabana de 7 de fevereiro de 1963, os proprietários da fazenda, Mário e Rafael Cintra Leite, disseram terem sido surpreendidos com a greve:
“A fazenda funciona como uma cidade pequena. Temos eletricista, encanador, pedreiros, carpinteiros. Oferecemos assistência médica e odontológica inteiramente gratuita. Mantemos a escola, o clube, e os trabalhadores dispõem de campo de futebol iluminado. São tradicionais os jogos noturnos e os bailes do grêmio da Fazenda Lageadinho. Todos tem terra para plantar e podem vender para a própria fazenda…. se a vida está difícil para os trabalhadores agrícolas, a culpa não é nossa. Em nossa fazenda não tem ninguém passando fome”.
Mas a versão dos líderes grevistas Alcindo Pedroso, José Moreno, Roque Pedroso, João da Cruz e Gentil Modina era bem diferente:
“Fizemos a greve porque o trabalho na fazenda não nos dá o suficiente para viver. A fazenda nos fornece casa para morar, o médico atende às quintas-feiras, clube para baile, cinema e futebol. Se um colono precisa de cirurgia a despesa é repartida entre todos. Pagamos pelo leite e café, que nos é entregue da pior qualidade. A lenha é fornecida gratuitamente, mas precisamos cortá-la e pagar Cr$ 40,00 por cada viagem da carreta. Para o serviço de assistência social, compreendendo ambulatório e médico, manutenção do clube, fornecimento de água e luz, a fazenda nos cobra Cr$ 130,00 todo mês. O que nos sobra não dá para viver, por isso entramos em greve”.
A greve começou com adesão total no dia primeiro de fevereiro de 1963, mas já no dia seguinte, pressionados pela polícia, muitos trabalhadores retornaram à lavoura. O movimento despertou a atenção do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, órgão criado em São Paulo em 1924, que teve importância estratégica na violenta repressão aos opositores do regime militar. No dia 15 daquele mês, o delegado de Polícia de Assis informou o “fim do movimento grevista, com 45 empregados dispensados. Os contingentes da Força Pública foram dispensados, e os investigadores estão voltando a São Paulo”.
Na verdade, percebe-se que a Polícia recebia rotineiramente informações sobre a atuação de operários e comunistas na região. Sobre o líder do movimento, Roque Pedroso, constam na ficha do DOPS de 16.02.1963, as seguintes informações: “É elemento de péssimo conceito em Canitar, onde reside. Nunca foi visto trabalhando, apesar de andar sempre com quantias grandes em seu poder, o que leva a crer que é subvencionado por alguém. É representante do jornal comunista “Terra livre”, jornal este que vende e distribui gratuitamente aos lavradores que vão a Canitar fazer compras aos sábados. Diz alto em bom som nos bares que irá distribuir as terras dos fazendeiros entre os trabalhadores, e que somente o comunismo resolverá o problema agrário no país”.
Embora não fossem muitos, os militantes comunistas eram considerados uma ameaça à ordem. Um relatório da Polícia de Ourinhos informa que circulavam no município alguns jornais comunistas como “Terra Livre”, “Gazeta Sindical” e “Notícias de Moscou”. O documento informa que chegavam à cidade cerca de 10 exemplares de cada jornal, e apenas cinco do “Notícias de Moscou”. Era claro o monitoramento das correspondências, já que os jornais eram entregues pelo correio.
Além das publicações, os relatórios apontavam também quem eram os leitores: Aurélio Bandeira, Francisco Ruiz, Álvaro Ribeiro de Moraes, Dr. João Bento, Lauro Migliari, Júlio Zaki Abuchan, Dario de Paula, José Alves Portela.
Chama a atenção uma observação no documento, dizendo que Dario de Paula “costuma realizar reuniões em sua residência com o fito de mostrar sua casa (bem aparelhada com rádio, geladeira e outros utensílios) aos demais colonos e operários da zona rural, para demonstrar as vantagens de ser elemento comunista”.
Como imperava um clima de “caça às bruxas” naquele período, bastava ser simpático ao movimento para ganhar uma ficha no DOPS. Pessoas sem nenhum vínculo ideológico, como os funcionários públicos Tibério Bastos Sobrinho e Michel Abdo Tanus são citados em relatório policial como “simpatizantes do comunismo…”
Os dois principais líderes do movimento grevista, Roque Pedroso e Silva e Otávio Portela foram presos e 45 famílias foram demitidas. É interessante que, em alguns casos, os próprios registros policiais reconhecem a precariedade das condições de trabalho. No Relatório 3 da Polícia de Ourinhos, de 20 de agosto de 1963, o delegado Carlos Negreiros do Amaral diz: “A vida do trabalhador rural é precária, o grau de educação é quase nulo, as relações entre patrões e colonos são pequenas, quase raras, existem patrões que desconhecem quais são seus colonos e não existe assistência de espécie alguma. São raras as exceções de bom entendimento entre patrões e empregados”.
Mas a onda de perseguições políticas continuou acontecendo na cidade até o golpe militar de 1964, quando políticos e líderes sindicais foram presos, exilados ou mortos pelo sistema repressivo organizado pelo Estado brasileiro. O mundo vivia a Guerra Fria, e os países se dividiam entre os blocos capitalista e comunista. A Revolução Cubana servia de modelo para os movimentos contrários às ditaduras que se instalaram em diversos países latino americanos. Comunista no Brasil dos anos 60 era sinônimo de agitador ou fora da lei.
Em 1963 Ourinhos ainda era uma cidade praticamente rural, não havia sufoco no trânsito, filas, asfalto ou moradores de rua. Charretes e cavaleiros levantavam poeira nas ruas e as pessoas não pareciam ter tanta pressa. Diferente dos dias atuais, a atuação política na cidade era determinada por posicionamentos ideológicos, e os vereadores, que nessa época não recebiam salários, estavam sintonizados com as mudanças que ocorriam pelo mundo.
Grandes transformações aconteceram desde a greve de 1963. Com o avanço tecnológico, as grandes propriedades já não necessitam de tantos trabalhadores e muitas encerraram suas atividades.
A própria Fazenda Lageadinho hoje não passa de um conjunto de ruínas, restando poucos vestígios dos períodos áureos de lutas e trabalho.
A série 100 Anos Ourinhos tem o apoio da Fundação Educacional Miguel Mofarrej, mantenedora das Faculdades Integradas de Ourinhos e do Colégio Santo Antonio Objetivo.
Para produzir este texto, a equipe Jornal Biz pesquisou em: Texto: A longa jornada dos direitos trabalhistas. Disponível em http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2909:catid=28&Itemid=23
Inquéritos do DEOPS Ourinhos. Disponível em http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/deops_ficha
Acervo do Diário da Sorocabana. Disponível em http://www.tertulianadocs.com.br/xmlui/handle/123456789/15
Fotos: Marco Aurélio Gomes, 2011; Acervo Professor Norival Vieira da Silva, Blog Wilson Monteiro; Casinha da Memória, site Vermelho.org.br
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