Santa Cruz do Rio Pardo e a revolução da Tarifa Zero no transporte público

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por Bernardo Fellipe Seixas

Na curva do tempo, algumas lembranças se aninham feito pardais em fios de alta tensão. Era 1999 e eu viajava muito entre Ourinhos e São Paulo. O trecho era um vai e vem de prefeitos, assessores e um ou outro sonhador que pensava mudar alguma coisa no mundo. Num desses percursos, dividi a estrada com o maior corinthiano do estado de São Paulo – e quem dizia isso não era qualquer um, mas o próprio governador Mário Covas. Dr. Clóvis Guimarães Teixeira Coelho, prefeito de Santa Cruz do Rio Pardo, além de médico e político respeitado, tinha na alma um distintivo do Timão e na mente uma calculadora afiada.

O trajeto era longo, coisa de 300 quilômetros, e deu tempo de ouvir suas queixas. Como quase todo prefeito, Dr. Clóvis lamentava que o dinheiro sumia antes de chegar ao caixa. Pagava salário, varria rua, tapava buraco e, claro, gastava “barbaridade” com transporte. Santa Cruz é um latifúndio municipal, o maior da região e um dos 30 maiores do estado, e manter ônibus rodando era um baita desafio. “O que eu gasto pra levar e buscar alunos nos distritos e na área rural é mais do que o Toshio gasta em Ourinhos inteira”, comentou ele, citando o então prefeito da cidade vizinha. Pão duro assumido (como prefeito), sabia até o cheiro do diesel gasto a cada quilômetro. “Tantos mil no trecho de Caporanga, tanto pra Sodrélia, tanto pra fazenda X, tanto pro sítio Y…”

Eis que, um quarto de século depois, me pego refletindo essa memória ao saber que Santa Cruz do Rio Pardo terá tarifa zero no transporte público. O prefeito Dr. Otacílio anunciou a novidade de sopetão, como quem risca um fósforo em noite de apagão. Se alguém dissesse isso em 1999, Dr. Clóvis teria dado uma gargalhada e, depois, feito as contas três vezes só para garantir que o impossível continuava impossível. Mas o tempo tem dessas ironias.

Santa Cruz não é mais aquela cidade de orçamento enxuto e empresas “familiares”. Hoje, é uma referência nacional na indústria alimentícia, com produtos que cruzam fronteiras e fazem dinheiro pingar no cofre municipal. O que antes parecia devaneio agora vira realidade: ônibus de graça para todos, todos os dias. Coisa pra entrar nos livros de história da cidade.




Enquanto Santa Cruz avança, Ourinhos segue atolada nos mesmos problemas de sempre. Há mais de dez anos, os moradores sofrem com os ônibus capengas da Avoa. Serviço ruim, atrasos, passagens caras e, nos horários noturnos e finais de semana, simplesmente nada. A empresa opera há quase 40 anos sem concorrência, um privilégio que já cheira a coisa vencida. Agora, o pepino está nas mãos prefeito recém empossado, Guilherme Gonçalves. Se vai descascá-lo ou passar adiante, só o tempo dirá. Mas que o povo de Ourinhos merece algo melhor, ah, disso ninguém duvida.

O que fica da história é essa linha tênue entre o possível e o impossível, entre o que um prefeito achava impensável e o que o outro conseguiu concretizar. Santa Cruz provou que dá pra virar o jogo. Resta saber quando Ourinhos entrará em campo.

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