Eles vieram de longe: quem são os novos imigrantes em Ourinhos?

Imad com a filha | Foto: arquivo pessoal

Além do idioma, uma das grandes dificuldades enfrentadas por quem chega num país desconhecido é a comida. Se num país de grandes dimensões como o Brasil o que se serve à mesa difere de região para região, dá para imaginar o estranhamento para aqueles que vêm de longe. No caso de Imad Chawiche, libanês que chegou ao Brasil fugindo de um país em guerra, a mudança foi menos traumática: Não sinto falta da comida libanesa. Afinal, minha mãe está em casa e cozinha pra nós: carneiro, esfiha, kafta, quibe, tabule, charuto, arroz com frango… tudo muito bom.

Imad também se arrisca na cozinha.

O Líbano é um país banhado pelo mar Mediterrâneo, território que foi ocupado por antigas civilizações, como os fenícios. No século 20, o país enfrentou conflitos que causaram grandes prejuízos à população. De 1975 a 1990, cristãos e muçulmanos se enfrentaram provocando muitas mortes. Entre 2000 e 2006 o Líbano sofreu ataques de Israel.

“Desde que nasci vivi no meio da guerra, com a sensação de que não tem futuro… vivíamos com medo”, diz Imad.

Imad e familiares no Mar Mediterrâneo. Na primeira vez, brasileiros reclamaram da água gelada.

Ele viveu em Mansura, onde seu pai era agricultor e administrava uma pequena loja. Como alguns parentes já estavam em Ourinhos, avaliaram que esse seria o melhor destino para a família. Dos cinco irmãos, o mais velho foi o primeiro a vir para Brasil. Depois vieram os outros, e por fim chegaram seus pais. “A maior dificuldade foi com a língua”, conta ele. Há vários anos a família mantém duas lojas de variedades no centro da cidade.




Como a maioria das cidades do interior de São Paulo, a população de Ourinhos foi formada com a contribuição de muitos imigrantes, como italianos, espanhóis, sírios, libaneses e portugueses. Os japoneses, com uma cultura que privilegia a organização e a disciplina, chegaram a criar uma associação, reunindo integrantes da colônia com o objetivo de preservar parte de sua cultura e de suas tradições. Numa caminhada pela cidade é comum se deparar com nomes de ruas que remetem diretamente aos imigrantes que escolheram Ourinhos para morar. É o caso das famílias Mori, Migliari, Christoni, Ferrari, Abujanra, Perino, Cury e tantas outras.

Os imigrantes chegaram a Ourinhos desde os primeiros tempos da cidade e se dedicaram a diferentes atividades. Lavouras de café e outras culturas, empresas de marcenaria e fundição, fábricas de bebidas e comércio de todos os tipos são áreas que se desenvolveram em Ourinhos pelas mãos dos imigrantes.

A coragem e as habilidades de homens e mulheres vindos da Europa e de outras regiões contribuíram para que a cidade fosse se urbanizando e transformando a vida de seus habitantes. Muitos ainda se recordam da empresa de materiais de construção Irmãos Mori, na Rua Paraná, das Indústrias Migliari, na Avenida Jacinto Sá ou do Supermercado Tone, com várias unidades espalhadas pela cidade.

Na Rua Nove de Julho, a trajetória de um imigrante vindo da região conhecida como Oriente Médio é lembrada num dos principais equipamentos culturais da cidade: o Teatro Municipal Miguel Cury. Nascido na cidade de Kfeir, que antigamente pertencia à Síria e hoje é território libanês, Miguel Cury chegou ao Brasil em 1905. Em Ourinhos foi sapateiro, proprietário de uma concessionária de veículos e de uma empresa de ônibus. Em 1988, no último ano de sua gestão, o prefeito Esperidião Cury (1983-1988) prestou uma homenagem ao pai, inaugurando e dando seu nome a uma das melhores salas de teatro da região.




Mas ao caminhar pelas ruas do centro atualmente é possível perceber também uma nova onda de imigrantes que chegou à cidade, com forte atuação no comércio, como coreanos e chineses. É o caso de Alex que veio de Macau, na China, e mantém algumas lojas que consertam e vendem acessórios para aparelhos celulares. O nome Alex foi adotado por ele, para facilitar a comunicação com os brasileiros. No Brasil há 16 anos, ele e a esposa aguardam a chegada do quarto filho. Antes de se fixar em Ourinhos, trabalhou em outras cidades como Santos, Caçapava e Mogi-Mirim. Em todas elas trabalhou no comércio, mas na área de alimentos, aproveitando seu talento para cozinhar. Ele conta qual foi a sua primeira impressão logo que chegou a Ourinhos: Vi a cidade de longe, aquelas luzinhas amarelas. Fui dormir na casa de um primo que morava nos fundos da lanchonete deles, que fica na frente da Tapeçaria Chic. A casa fica no fundo, fui por um corredor meio escuro. No outro dia acordei e quis conhecer a cidade. Achei que estava em uma vila, e queria conhecer o centro. Fui andando em direção à linha e me espantei com as casas velhas e abandonadas… estava acostumado com a modernidade do centro de Macau. Não é que é feio, é que é muito diferente.

Macau, terra natal de Alex: modernidade.

O pai já estava em Ourinhos e também mantinha uma lanchonete onde Alex foi trabalhar, enfrentando as dificuldades dos primeiros dias: Me sentia cego, surdo e mudo. Tudo que via ou ouvia não compreendia, e o que eu dizia ninguém entendia. Quando resolveu mudar de ramo a mãe foi contra. Mesmo assim, emprestou dinheiro para montar a primeira loja: “Ficou meio vazia, não tinha quase estoque, e aos poucos fui comprando”. Alex está feliz em Ourinhos, e lembra-se de quando começou a trabalhar na China, aos 13 anos: “Fazia serviços pesados, de limpeza e carregar peso. Trabalhava muito por lá, de 12 a 13 horas. Para os chineses o tempo precisa ser convertido em trabalho, em dinheiro”.

O Brasil sempre foi conhecido como um país acolhedor com relação aos imigrantes. Estrangeiros desembarcaram no país por diferentes motivos, alguns buscando melhores condições de vida, outros por motivos políticos ou religiosos. Dados indicam que entre 1870 e 1950 chegaram ao Brasil mais de 4,5 milhões de estrangeiros, e os números variam conforme as circunstâncias. Em 1891, três anos após a Lei Áurea, cerca de 215 mil estrangeiros entraram no país, segundo artigo de Leonor Assad, publicado no site da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. No mesmo artigo, a geógrafa Gislene Santos explica que atualmente a política de migração no Brasil é definida no Estatuto do Estrangeiro, e o migrante é tratado como uma questão de “segurança nacional”. Embora haja essa normatização por parte do Estado, há uma ausência de políticas públicas que facilitem a integração do estrangeiro.




O colombiano Diego Fernando Sanches Cabezas tem 38 anos e vive em Ourinhos há mais de cinco anos. Ele chegou ao Brasil em novembro de 2012, depois de ter passado por países como Venezuela, Equador, Panamá e Peru. Ele acompanhou a esposa Yulliane Rodrigues, jogadora de basquete, que havia sido contratada para jogar em um time de Blumenau. Após passar por Guarulhos e Catanduva, o casal chegou a Ourinhos: “Ela conseguiu um contrato com o time de basquete daqui, mas o time já estava acabando”.

“Em Ourinhos as pessoas não se juntam muito”, diz o colombiano Diego.

Diego fala da saudade da família, e diferente do libanês Imad ele não conta com a mãe para preparar sua comida:

“Sinto falta da comida da minha mãe e da minha vó. A forma de preparar os alimentos é diferente. Aqui se come feijão todos os dias, na Colômbia feijão é só na sexta. Nos outros dias comemos outros grãos, como lentilha, grão de bico, ervilha”.

Ele acha que no Brasil se come demais, mas ressalta que os colombianos tem o hábito de tomar sopa antes da refeição principal: “Seja no frio ou no calor, é o prato servido como entrada”.

Nascido em Ourinhos, Elliot Samuel Sanchez Rodrigues é filho de colombiano e cubana.

Diego tem um filho de um ano que está morando com a mãe em Sorocaba, onde ela atua como jogadora. Outras duas filhas continuam morando na Colômbia. Ele fala sobre algumas das dificuldades que enfrentou por aqui: Já me acostumei com o jeito dos brasileiros, mas em Ourinhos existem muitos grupos fechados. Acho que Ourinhos é meio triste, as pessoas não se juntam muito.

Diego com a esposa, irmã e sobrinho, em restaurante em Cali, sua cidade natal.

Diego sente falta das festas populares organizadas pela população na Colômbia. Ele conta que no Natal existem concursos em que as ruas concorrem entre si para saber qual é a mais animada, a mais enfeitada. As pessoas se fantasiam, colocam máscaras, e fazem brincadeiras como levar um caixão de defunto simulando que é algum desafeto, acompanhadas por uma banda. “É tudo uma brincadeira, piada mesmo”, explica Diego.




O colombiano reclama também do frio: “Judia muito por causa das variações, eu não gosto”. A burocracia brasileira é outro obstáculo para o colombiano que deseja se casar com a companheira: “Eu queria me casar, só que a documentação é enorme e muita coisa vem da Colômbia. As certidões demoram para chegar e acabam vencendo. Depois de muito vai e vem, desistimos e acabamos fazendo um contrato de união estável”. Por outro lado, Diego elogia o sistema de saúde brasileiro:

“Na Colômbia se você vai num hospital logo perguntam se você tem seguro de saúde, e o tratamento acontece conforme o valor do seu seguro. Aqui pelo menos o básico é garantido, isso é muito bom”.

Ultimamente a questão imigratória tem tomado conta dos noticiários no mundo todo. Embora nenhum dos entrevistados tenha relatado casos de preconceito, discursos nacionalistas, inflamados por políticos que exploram a desinformação, têm gerado atitudes intolerantes com estrangeiros que tentam se estabelecer no Brasil. É preciso lembrar que o caráter multicultural do povo brasileiro já foi visto como prova de sua singularidade e de seu acolhimento de povos e culturas distintas.

Para produzir este texto, a equipe do Jornal Biz entrevistou Imad Chawiche, Diego Fernando Sanches Cabezas e Alex, e pesquisou em: “Ourinhos, memórias de uma cidade paulista”, de Jefferson Del Rios; “Ourinhos, um século de história”, organização de Oscar D’Ambrosio;
https://oglobo.globo.com/brasil/censo-2010-numero-de-imigrantes-no-brasil-quase-dobra-4751209; edições do Jornal A Voz do Povo, disponíveis  em www.tertulianadocs.com.br

Imagens: Acervo da Casinha da Memória, Arquivos pessoais, Bernardo Fellipe Seixas.

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